Uma das frases que mais ouço quando pergunto sobre ele é:
“Eu morria de medo do Nêgo Lúcio”.
Se há algum
mito nesta cidade, cuja imagem ficou gravada na mente das pessoas, é ele. Um
preto forte, mal encarado, barbudo e de olhos vermelhos, que perambulava pela
cidade e dormia na beira do Iguaçu. Eu mesmo nunca o vi, pois já tinha sumido
quando eu era criança, mas criei uma imagem de seu porte robusto e amedrontador, graças às ameaças que sempre ouvia: “Cuidado que o Nêgo Lúcio te pega”.
Este medo, que se espalhou como
fogo em capim seco, parece ter vindo do fato desse homem, além de preto e
miserável, ter cometido um assassinato. Para mim não ficou claro quem ou porque
ele matou, mas as pessoas com quem falo são quase unânimes em dizer que a
vítima atendia pelo nome de Juvenal e que o crime aconteceu na beira do rio,
tendo uma faca ou facão como arma.
Antes, Lúcio fora marinheiro dos
vapores no rio Iguaçu. Com o fim da navegação acabou virando chapa, ajudando a descarregar
caminhões junto com outros homens. “Bebiam que Deus o livre. Diziam que era pra
firmar o pulso”, me contaram.
Problemas mentais também eram nele
observados, e a combinação com miséria, alcoolismo e preconceito pode ter levado
ao trágico ato. Há quem fale que o tal Juvenal o provocava muito. Mas há quem
diga que o preto era mesmo maldoso. “Matei um porco lá. Nem ligue, que era só
um porco”, ele teria dito após o crime.
Tem um piá na cidade que ganhou o apelido
de “Churrasco”. Ou “Churrasco de Nêgo Lúcio”, porque este amarrou o menino, fez
uma fogueira e disse que ia queimá-lo. Não deixaram, é claro.
“Ele vivia dizendo que um dia ia
matar um, e matou mesmo”.
Quanto mais pergunto, mais as
histórias me confundem. Algumas o descrevendo como um homem doente da cabeça e
injustiçado socialmente, que só matou em legítima defesa. Outras reforçam este lado psicótico
e amedrontador.
Me contaram que ele ia na hora do
almoço buscar um prato de comida ali na Gilda e na Izolde Maciel, e do lado da
casa tinha um terreno baldio, onde as crianças brincavam. Ele sempre ia por ali,
pegar o prato de comida. A mulher com quem converso conta que, quando menina, subiu
na cerca para ver o preto almoçar. Quando foi descer, o vestido enroscou e ela ficou
pendurada. “O coitado veio tentar me ajudar, pra me tirar da cerca, mas eu fiz
um escândalo tão grande que a vizinhança inteira saiu pra ver. Ele não fez
nada, só queria me ajudar, mas eu gritei tanto, esperneei tanto, que todo mundo
correu pra ver o que estava acontecendo”.
Essa onda de pânico pode ter
contribuído para o seu fim. Não descobri se ele chegou a ser preso pelo crime, nem
se o mataram. Mas seria impossível continuar vivendo em uma cidade pequena
sendo tão temido. Temor este que sobreviveu por muito tempo e, até hoje, ainda
habita as memórias de uma geração.
E, só por precaução, cuidado, que o Nêgo Lúcio te
pega.