A
cena é a de um menino entregando uma flor para uma garotinha, em retribuição ao
selinho que ganhara dela outro dia. Ou melhor, este é o sentimento que quero
transmitir, pois a apresentação de tal cena, na realidade, foi um pouco diferente.
O menininho era um jovem de dezesseis anos, e ele não entregava uma flor, e sim
um disco, à jovem em que dera seu primeiro beijo.
Sim,
ele era um rapaz um pouco atrasado, pelo jeito pouco confiante e sua dificuldade
em fazer amigos. Já ela, com apenas treze anos, era bem mais experiente e
articulada socialmente.
O
cenário real é uma cidadezinha de interior no final dos anos 90, época em
que os jovens resgataram a moda e a música dos anos 70. Assim, ela se
apresentava, em sua imaginação, como uma fada hippie pé-na-estrada, cabelo
dourado ao sol sobre um gramado verde, o que o fazia lembrar daquelas florezinhas
amarelas que invadiam a cidade durante todo o verão.
Ele
queria estar com ela a toda hora, para ouvir sua voz, sentir seu perfume e,
auge dos auges, ganhar mais um beijo como aquele do momento crucial em sua
vida. Ela teria percebido que era o seu primeiro? Ele ficava horas e horas
lembrando daquela cena, sentindo a sensação indescritível, as línguas dançando
em círculos, o hálito quente, o sabor do brilho labial de morango...
Para
sua extrema felicidade, houve outras vezes. Foi em uma delas, de tão satisfeito, que lhe deu de presente um de seus discos, de uma
banda que ela gostava. Adorou a forma como ela parecia incrédula, perguntando “sério?”
ao receber o mimo. Sim, era muito sério. Ela o fazia “pirar” e merecia muito
mais. Obviamente essas palavras não saíram de sua boca.
A
comunicação entre eles era limitada. Talvez pela timidez, trocavam poucas
palavras quando estavam juntos. Ainda assim, para ele, eram namorados. Mesmo
nunca tendo conversado a respeito.
Foram
havendo algumas ligações telefônicas muito envergonhadas, alguns pequenos
encontros, até que um dia ele precisou voar daquela cidadezinha. Ela ficou, mas
pouco depois foi embora também, para outro lugar, ainda mais longe. Era claro
que a alma dela era grande demais para ficar lá. Precisava de aventuras, de
descobertas, de experiências, de perigos e de pessoas mais loucas.
Nunca
tive a chance de dizer o quanto a amava, nem de como meu coração batia forte
quando a via ao acaso, andando pela rua com seus longos cabelos esvoaçando ao
vento. Também nunca agradeci pela memória do primeiro beijo, gravada até a
eternidade na minha alma imortal.
Hoje
a vejo pelas fotos e o que vejo é uma linda e livre mulher, viajada, universal, culta,
sexy e dona de um refinado sarcasmo do qual já dava sinais na adolescência. É uma diva, femme fatale, top model, rata de praia, musa, disco queen ou algo assim. É
muito difícil defini-la acompanhando somente pelas redes sociais, mas nenhuma
definição abraçaria o que ela é, de fato.
Uma
vez li que o dente de leão, aquela florzinha amarela que dá no verão e se
transforma em uma bola de penugem branca que gostamos de assoprar, se espalhou
pelo mundo inteiro por conta disso. Ele viajou continentes e chegou a terras
distantes, por suas características aéreas. Pois é isso que ela é: um dente de
leão. Quando ao sol, brilha lindamente, mas não foi criada para ficar presa e portanto viaja eternamente pelo vento, causando admiração e amores, que ficam marcados, como ficou
meu coração.
Recentemente,
finalmente conversamos. À distância, é claro, pois ela é inalcançável. E,
lembrança das lembranças, me contou que tem, até hoje, o disco que lhe dei e a
memória daquele dia. E por alguns instantes voltei a me sentir como aquele
menininho, entregando flores para uma menininha de quem recebera um beijo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário