terça-feira, março 19, 2024

Dente de leão (L.F.Riesemberg)

 


A cena é a de um menino entregando uma flor para uma garotinha, em retribuição ao selinho que ganhara dela outro dia. Ou melhor, este é o sentimento que quero transmitir, pois a apresentação de tal cena, na realidade, foi um pouco diferente. O menininho era um jovem de dezesseis anos, e ele não entregava uma flor, e sim um disco, à jovem em que dera seu primeiro beijo.

Sim, ele era um rapaz um pouco atrasado, pelo jeito pouco confiante e sua dificuldade em fazer amigos. Já ela, com apenas treze anos, era bem mais experiente e articulada socialmente.

O cenário real é uma cidadezinha de interior no final dos anos 90, época em que os jovens resgataram a moda e a música dos anos 70. Assim, ela se apresentava, em sua imaginação, como uma fada hippie pé-na-estrada, cabelo dourado ao sol sobre um gramado verde, o que o fazia lembrar daquelas florezinhas amarelas que invadiam a cidade durante todo o verão.  

Ele queria estar com ela a toda hora, para ouvir sua voz, sentir seu perfume e, auge dos auges, ganhar mais um beijo como aquele do momento crucial em sua vida. Ela teria percebido que era o seu primeiro? Ele ficava horas e horas lembrando daquela cena, sentindo a sensação indescritível, as línguas dançando em círculos, o hálito quente, o sabor do brilho labial de morango...

Para sua extrema felicidade, houve outras vezes. Foi em uma delas, de tão satisfeito, que lhe deu de presente um de seus discos, de uma banda que ela gostava. Adorou a forma como ela parecia incrédula, perguntando “sério?” ao receber o mimo. Sim, era muito sério. Ela o fazia “pirar” e merecia muito mais. Obviamente essas palavras não saíram de sua boca.

A comunicação entre eles era limitada. Talvez pela timidez, trocavam poucas palavras quando estavam juntos. Ainda assim, para ele, eram namorados. Mesmo nunca tendo conversado a respeito.

Foram havendo algumas ligações telefônicas muito envergonhadas, alguns pequenos encontros, até que um dia ele precisou voar daquela cidadezinha. Ela ficou, mas pouco depois foi embora também, para outro lugar, ainda mais longe. Era claro que a alma dela era grande demais para ficar lá. Precisava de aventuras, de descobertas, de experiências, de perigos e de pessoas mais loucas.

Nunca tive a chance de dizer o quanto a amava, nem de como meu coração batia forte quando a via ao acaso, andando pela rua com seus longos cabelos esvoaçando ao vento. Também nunca agradeci pela memória do primeiro beijo, gravada até a eternidade na minha alma imortal.

Hoje a vejo pelas fotos e o que vejo é uma linda e livre mulher, viajada, universal, culta, sexy e dona de um refinado sarcasmo do qual já dava sinais na adolescência. É uma diva, femme fatale, top model, rata de praia, musa, disco queen ou algo assim. É muito difícil defini-la acompanhando somente pelas redes sociais, mas nenhuma definição abraçaria o que ela é, de fato.

Uma vez li que o dente de leão, aquela florzinha amarela que dá no verão e se transforma em uma bola de penugem branca que gostamos de assoprar, se espalhou pelo mundo inteiro por conta disso. Ele viajou continentes e chegou a terras distantes, por suas características aéreas. Pois é isso que ela é: um dente de leão. Quando ao sol, brilha lindamente, mas não foi criada para ficar presa e portanto viaja eternamente pelo vento, causando admiração e amores, que ficam marcados, como ficou meu coração.  

Recentemente, finalmente conversamos. À distância, é claro, pois ela é inalcançável. E, lembrança das lembranças, me contou que tem, até hoje, o disco que lhe dei e a memória daquele dia. E por alguns instantes voltei a me sentir como aquele menininho, entregando flores para uma menininha de quem recebera um beijo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário