terça-feira, março 26, 2024

A Fogueira (L.F.Riesemberg)

 

Toda sexta-feira era dia de faxina, e recebíamos a diarista que vinha fazer a limpeza pesada. Mas mamãe não deixava por menos e também pegava na vassoura e no esfregão para deixar a casa brilhando. Lenços amarrados na cabeça, elas viravam tudo, sempre animadas, limpando cada mancha dos sofás e cada pingo de gordura de trás do fogão. Era um momento mágico para mim, que via o habitual costume do dia-a-dia ir pelos ares, exatamente como o pó que era varrido de cada canto da residência.

Aquele dia era especial não só pela momentânea bagunça que ficava pela casa, com móveis arrastados e tapetes arrancados, revelando paredes e pisos nus, mas também pela mistura de odores de produtos de limpeza que se espalhavam pelo ar e ainda pela sinfonia de ruídos que tomava conta dos cômodos, como o das escovas raspando paredes e das vassouras penteando as lajotas.

Nesse dia não dava para assistir aos meus desenhos animados na TV, visto que o aspirador de pó faria um barulho tão alto e daria tantas interferências na imagem que minha mãe recomendava eu fosse brincar lá fora, no quintal. E eu obedecia com gosto, armando inúteis arapucas com caixas de papelão ou balaios de vime. Era muito bom sair da rotina, sabendo que eu estava de certa forma ajudando, simplesmente por não causar nenhum atrapalho.

Ao fim da tarde tudo voltaria à normalidade, com o trabalho resultando em um ambiente limpo, organizado e cheiroso, pronto para receber visitas no final de semana. Porém, antes havia o momento pelo qual eu mais esperava - o ritual de coroação daquela cerimônia. Por volta das 17 horas, quando a diarista ia embora, minha mãe terminava de varrer o quintal e lá fazia um grande amontoado de folhas secas e outros detritos, que ela chamava de ciscos, para, por fim, queimar tudo em uma formidável fogueira, cujas chamas ardiam belas e maravilhosas bem no centro do quintal, como uma pira sagrada em homenagem aos deuses.

Eu gostava de ver o fogo, mas mamãe preferia a fumaça. Ficávamos a observar o pó, o papel, o papelão e tudo mais que fora varrido, enfim, o cisco, evaporar e ser levado aos ares pelo vento, afastando definitivamente de nossa casa tudo aquilo que não mais prestava. Eu via minha mãe com a testa suada, as mãos sujas, mas sorrindo, satisfeita pelo trabalho bem realizado. Às vezes ela soltava alguma pérola, relacionando aquele puxado dia de limpeza com o trabalho que temos que constantemente fazer para eliminar o mal de nossa vida.

Eu não sabia, e muito menos ela mesma, mas eu tinha uma mãe sábia, que me mostrava como lidar com os problemas de um jeito prático, usando o simples ambiente doméstico - ainda que ela não fizesse a menor ideia que estava me ensinando algo tão importante.

Sabe, é uma pena que os problemas de hoje não sejam tão simples como os do passado. Gostaria de poder contar ainda com minha mãezinha ao meu lado, animada e varrendo todo o cisco em um grande monte no meio do quintal. Às vezes chego a fechar os olhos e mentalmente faço todo esse lixo de hoje arder em uma grande fogueira e ser levado para bem longe, como a fumaça esvoaçando naqueles fins de dias de faxina.


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