Cheguei
ao hospital por volta das sete e, do alto de sua cama, ele sorriu ao me ver entrar.
Emagrecido, parecia menor sob aquele amontoado de cobertas, vestindo um gorro
grande demais para a cabeça. Meu pai era apenas uma sombra do homem forte que sempre
fora, mas ainda demonstrava uma resiliência desconcertante, nem sequer pensando
em desanimar.
O
cumprimentei com um beijo no rosto e sentei na poltrona ao lado. Ele estava
animado por ter passado uma noite tranquila, o que significava simplesmente que
não havia tido a necessidade de ser transferido para a UTI, como acontecera
algumas vezes no último mês. Sua saúde piorara drasticamente desde o início
daquele ano, mas já havia sido internado tantas vezes, e melhorado de
emergências tão assustadoras, que nada mais nos angustiava tanto. Naquele
momento ele estava se sentindo bem, e era isso que importava.
Ele
reclamou de frio, o que foi amenizado ligando o aquecedor, e depois o ajudei
com o café da manhã, dando colheradas de mingau de aveia em sua boca. Ligamos a
tv, e estava passando um programa de sobrevivência na neve, o que garantiu
nossa atenção por alguns minutos, até que a chegada de duas enfermeiras
interrompeu o programa. Era hora do banho.
Elas
despiram meu pai, apesar de seus protestos contra o frio, e ali mesmo, no leito,
o higienizaram com lenços umedecidos e cremes. Em seguida trocaram sua fralda, visão
que sempre me fazia me sentir estranho, por mais que eu já tivesse presenciado
aquela cena outras vezes. Parecia que ali era eu o homem, e meu pai a criança,
e isso não me soava nada natural. Apesar disso, meu pai estava muito brincalhão
e interagiu alegremente com as moças, fazendo piadas e arrancando gargalhadas
de todos nós. Por fim, ajudei-as a trocar os lençóis, já que fazer aquilo sem
tirar o paciente da cama exigia certa dose de esforço.
Toda
aquela movimentação foi cansativa para ele, pois logo que as enfermeiras se
despediram, pediu para tirar um cochilo. Apaguei as luzes e fiquei em silêncio,
esperando que descansasse. Naquela tarde ele passaria por uma pequena cirurgia,
o que não deixava de ser preocupante. Cada dia havia uma nova surpresa em
relação ao seu estado de saúde, e nos restava ter a esperança de que ele atravessaria,
mais uma vez, outro desafio.
A
força de meu pai era incrível. Eu nunca terei a garra para enfrentar tantas
dores e desafios como ele demonstrara, na última década, desde que seus
problemas se tornaram mais evidentes. Lembro de muitas vezes segurar sua mão
enquanto um enfermeiro tentava achar uma veia boa, picando insistentemente seu
braço com uma grossa agulha, pois eu queria sentir a dor por ele.
Aquele
sono durou até o momento em que o médico foi ao quarto e deu algumas
explicações sobre como seria a vida de meu pai depois que ele voltasse para
casa. Uma alimentação muito restrita, sem líquidos, com a necessidade de três
hemodiálises por semana. Papai ouviu tudo com a habitual resiliência e apenas
brincou: “Puxa, eu queria sair daqui direto para uma churrascaria”, tirando uma
pequena gargalhada de si mesmo.
Ficamos
em silêncio após a saída do doutor, imaginando como seria essa nova vida após a
alta. Eu não queria pensar daquele jeito, mas não seria uma vida de verdade.
Exigiria muitos esforços, haveria muito sofrimento, mas ainda assim ele não
estava reclamando, e eu tinha certeza de que se manteria assim, até o último
dia.
Devido
a cirurgia marcada, naquele dia ele não poderia almoçar. Fiquei com muita pena
quando chegou o meu prato e ele sentiu o cheiro de comida. Comi o mais rápido
que pude, para não torturá-lo com aquilo, e depois procurei conversar sobre
histórias felizes do passado, na tentativa de distraí-lo.
Pouco
depois vieram buscá-lo. Não falávamos a respeito do que estava acontecendo. Apenas
obedecíamos às exigências do momento, que incluíam vestir o camisolão, o que
significava que meu pai passaria frio outra vez. Eu acompanhei a enfermeira
para fora do quarto, ajudando-a a empurrar a maca, sem tirar os olhos do meu
pai, que parecia saber o que ia acontecer. Seus olhinhos levemente tristes me diziam
muito naquele trajeto. Eu podia ler neles um pouco de medo, mas nem de longe se
comparava ao terror que eu estava sentindo, por ver meu pai tão frágil sendo
levado para uma cirurgia.
E
se desistíssemos? Ele estava tão bem naquele dia! Brincava. Fazia piadas. E se
prolongássemos aquelas horas agradáveis? Pensei em despistar a enfermeira e
correr com a maca para fora do hospital, colocá-lo ao sol, que ele não sentia na
pele há mais de um mês. Ele teria gostado de fazer uma loucura dessas comigo?
Mas
tudo o que fiz foi acompanhá-lo em silêncio, com as pernas e o olhar, até o
último ponto em que eu podia ir, diante da entrada do centro cirúrgico. Dei um
último beijo em seu rosto e ele foi, com a coragem de sempre, sem deixar de
dizer uma última frase, que expressava toda a sua existência perante a minha: “Filho,
eu te amo. Nunca se esqueça disso...”. Falou lentamente, talvez segurando o
choro, e eu respondi de imediato: “Eu também te amo, pai”, sabendo que ele
estaria logo ali, sorrindo outra vez, como sempre fizera depois de tantas
outras adversidades muito piores que aquela, e em cujo exemplo sempre me
inspirarei, até o dia em que eu próprio, fatalmente, enunciar a minha última
despedida.
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