Ah,
este som! Quantas memórias me trazem...
Antes,
quando aquele zumbido surgia no ar, eu corria para a garagem e agarrava a minha
bicicleta. Pedalava até a esquina e lá estavam Mário e Tito, meus melhores
amigos. “Ali!”, dizia um de nós, apontando para o alto. E víamos a aeronave, um
grande pássaro de metal no céu, pouco acima dos telhados. “O último que chegar lá
é um bocó!”.
Pedalávamos
feito loucos até o fim da rua, quando os paralelepípedos sob nossos pneus davam
lugar ao pó de terra. Era mais meio quilômetro para chegar. Percorríamos o
trajeto pela estreita estrada de chão entre os pés de milho, torcendo para
chegarmos antes do pouso. Eis a maior alegria para meninos de doze anos nas
férias de verão, ávidos que estávamos por aventuras.
Não podíamos
chegar perto demais, mas não importava. Éramos a única plateia do avião em terra
firme, ainda com a hélice girando. “Vocês acham que o piloto nos levaria dar
uma volta?”. Talvez nenhum de nós acreditasse nisso, mas tínhamos uma desejo
ardente de que, algum dia, ele nos chamasse para entrar na cabine, ver o painel
e... quem sabe? Como seria olhar a cidade lá do alto? Como pareceriam as nossas
casas vistas de cima? E o cinema, que frequentávamos quase todo sábado, seria
pequeno visto do céu?
Em
silêncio, encostados na cerca de arame farpado, cada um previa o seu futuro
naquele modesto aeroporto, oculto entre a plantação. Não sei o que meus amigos
imaginavam durante aquele silêncio, mas eu me via mais velho, como um corajoso aviador
contrabandista levando caixas de munição aos rebeldes da resistência, que lutavam
contra o sanguinário ditador em um país distante.
Infelizmente,
nunca fomos convidados para entrar em nenhum dos aviões que lá aterrissaram. O
sonho começou a morrer quando, mais tarde, notamos o capim já alto na pista de
pouso. Mas nenhum de nós comentou nada, pois isso seria reconhecer o fim
daquela época, cheia de magia e mistérios, que deixamos para trás há tanto tempo.
Os anos
passaram e não nos tornamos pilotos de guerra. Nem a nossa amizade pôde
permanecer como era. Logo fomos pegos pelo monstro da vida adulta, chamuscados
pelo dragão do casamento, arrasados pelos terremotos chamados filhos – que também
nos causaram alegrias, é claro. Mas para um menino de doze anos, que tudo o que
tem são seus amigos, estas coisas eram tragédias, como enchentes que só trazem destruição
e doenças.
Eles também
não conseguiram escapar das garras do tempo. Mário foi o primeiro a partir, há alguns
anos, e Tito não durou muito mais que ele. Os safados me deixaram para trás.
Hoje,
quando olho no espelho, vejo apenas um velho surdo enrolado no cobertor,
sozinho, doente e triste. Mas, este som! Há quanto tempo não o ouvia!
Pela janela, observo o pássaro de metal cruzando o céu laranja do fim de tarde.
Pela janela, observo o pássaro de metal cruzando o céu laranja do fim de tarde.
Subitamente,
vejo-me entre os pés de milho, no campo de aviação, onde a aeronave pousa à
pequena distância. Sinto-me tão jovem! Uma dupla de tripulantes salta para a
pista e caminha em minha direção. Há algo familiar em seus sorrisos.
“Entra logo nesse avião, seu bocó!”.
Belo texto.....
ResponderExcluirAmei! <3
ResponderExcluirTo amando seus contos . Obrigada ! Vou usar algum deles para um trabalho escrito de redação na escola ( e por a biografia do autor <3)
ResponderExcluirIsto me ajudou bastante no trabalho da escola
ResponderExcluirQual é o nome do autor??(para o trabalho de português do colégio)
ResponderExcluirSempre acompanho o blog e indico aos professores do colegio imirim SP, bacana a iniciativa do post, muito útil mesmo, recomendo demais acompanharem o conteudo
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