Nem crianças, nem adultos. Éramos
um grupo de amigos, companheiros, colegas de faculdade ou como queira chamar. E
se algum de nós dissesse que tinha um objetivo, era mentira. Não sabíamos nem
por que tínhamos escolhido aquele curso. Tudo o que queríamos, a cada manhã,
era que as aulas terminassem logo para irmos em lojas de discos, comer
hambúrgueres e fazer piadas.
E um de nós era o Robin.
Na primeira vez que o vi, o achei
muito peculiar. Naquela época, eu nunca escolheria sua companhia, graças ao
preconceito que havia crescido em mim desde a infância. Eu vinha de uma família
tradicional, e de uma cidade pequena, onde certas particularidades são
ridicularizadas e mantidas em segredo. Mas Robin já fazia parte do grupo em que
acabei entrando, e não pude evitá-lo.
Contudo, em menos de um mês já
não importava mais como ele era, ou o que fazia longe dos meus olhos. Éramos
amigos, e isso bastava. Robin tinha múltiplos talentos: dançava, desenhava,
falava Inglês e imitava pessoas como ninguém. E era de uma beleza admirável,
moreno, alto, olhos verdes. Mas naquele tempo, é claro, um homem não fazia
elogios a outro, e nunca lhe confessei o quanto ele era incrível.
Durante as aulas, ele fazia com
traços de mestre caricaturas dos professores e dos colegas. Não só desenhava,
como escrevia legendas que me faziam ter que morder a língua para não rir alto.
E podíamos conversar por horas a respeito de filmes e músicas dos anos oitenta.
Às vezes nossa comunicação era por símbolos em folhas de caderno, que só nós
compreendíamos. Quase por telepatia.
Por outro lado, Robin tinha defeitos.
Não escrevia muito bem. Não lia livros que não fossem romances açucarados. Era
terrivelmente alienado em relação a política. E não aceitava aquelas
brincadeiras comuns entre homens que precisam constantemente alardear sua
masculinidade. Aquilo o ofendia, na verdade. Assim, eu não tomava liberdades
com ele, para não ferir seus sentimentos. Apenas seguíamos nos divertindo, indo
ao cinema, ouvindo música, rindo dos outros, sem que analisássemos nossas
próprias falhas como seres humanos.
Eu não me envergonhava de andar com
ele, e estar ao seu lado era tão divertido que, fosse ele mulher, eu constataria
que o que tínhamos era amor. Bem, o que tínhamos era mesmo amor. Eu só não
conseguiria admitir ou falar abertamente sobre isso, porque qualquer um
entenderia de outro modo. Era amor de amigos, amor de irmãos, de almas que
sintonizam e se buscam, independentemente dos corpos que habitam.
Porém, como o tempo é impiedoso
com tudo, até mesmo com os amantes mais apaixonados e com as amizades mais sinceras,
ocorreu de eu me enveredar por outros caminhos. Não aconteceu do dia para a
noite, é claro. Fomos nos afastando, olhando para novas direções, achando
outros interesses. E, alguns anos
depois, eu tinha outros amigos.
Robin passou por nós e não o cumprimentei, apesar de ainda tê-lo nítido em meus pensamentos. Os rapazes à minha volta riram e sussurraram uma frase ofensiva em relação a ele ou ao grupo que, acreditavam, ele representava.
O meu eu de hoje teria censurado
o autor daquele comentário e ido atrás do velho amigo. Mas eu era então outra
pessoa, e tudo o que fiz foi rir. Do mesmo modo como antes eu ria com Robin a
respeito de tudo o que achávamos ridículo, ali estava eu, rindo dele, achando-o ridículo.
Ironicamente, agora eu sei que a
coisa mais ridícula lá era eu. E, como hoje meninos podem chorar, é isso que eu
faço.
No último ano da faculdade, sem
que falasse comigo, Robin pediu transferência. Imagino o que sentiu quando um
dos meus novos amigos escreveu algo horrível sobre ele em um banheiro. E assim,
não mais o vi.
Depois da formatura, por muito
tempo também não encontrei meus outros colegas. Isto faz parte da vida: cada um
segue seu caminho. Começamos a trabalhar, vamos conhecendo outras pessoas, nos
mudamos de cidade, perdemos cada vez mais o contato. Você não percebe, mas tudo
aquilo que você viveu deixa de existir.
Até que, por mágica, surge uma novidade
capaz de descobrir o paradeiro de todos os antigos amigos, com alguns simples toques.
Colegas que você não via há cinco, dez anos, de repente aparecem diante de seus
olhos, e através de imagens você descobre que aquela menina tímida virou
ativista política, que o drogado é chef de cozinha na Indonésia, que o gordinho
é um requisitado preparador físico e aquela deusa que todos desejavam é uma esforçada
dona de casa com três filhos.
Mas, entre todos, não havia
ninguém de quem eu tinha tanta curiosidade para conhecer o destino. O que a
vida teria feito com aquele rapaz engraçado, brilhante, que estava em um curso
inútil para seus talentos? Estaria feliz? Teria realizado seus sonhos?
Pesquisei seu nome, mas não
encontrei nenhum resultado. Estaria morto? Preso? Talvez fosse apenas avesso a
tecnologias, e demoraria um pouco mais para entrar neste mundo. Ou talvez tenha
assumido um novo nome. Tenha mudado de corpo, se transformado em outro alguém.
Foram essas as dúvidas que tive
na primeira vez que te procurei, há dez anos, e continuo com elas ainda hoje,
sem obter qualquer pista de onde você está.
Se você queria se vingar,
parabéns: toda vez que procuro e não encontro nenhum vestígio da sua
existência, mais eu acho que estou enlouquecendo. Concluo que você era bom
demais para ser real, e que não passou de uma fantasia que criei para mascarar
a dor de ter tido uma vida vazia. Apenas um amigo imaginário...
Maravilha de narrativa! Amei!!!
ResponderExcluirQuantos amigos conhecemos e no íntimo são nossos amigos imaginários?