Do outro lado do rio havia uma escola,
onde certos alunos só chegavam de barco. A edificação era antiga, e sempre se
ouviam ruídos durante as aulas. Os adolescentes aproveitavam para contar
histórias sobre o fantasma da freira que ali vagava desde que a casa era um
convento, décadas atrás.
Naquela aula, o professor viu que
Emily estava calada. Quando tocou o sino da saída, pediu a ela que ficasse um
pouco mais, a fim de conversarem em particular. Era comum manter diálogos com
estudantes que aparentavam problemas, ainda mais na região rural, onde não há
muito apoio da família.
“Qual o problema, Emily?”. Ela
estava claramente tentando dizer algo, mas parecia ser um assunto muito
delicado. “Pode contar comigo. Nada do que conversarmos vai sair desta sala”. A
garota levou as mãos ao rosto e começou a chorar. Não sabia começar a narrar
sua história. “Tudo bem”, disse o professor, lhe entregando um lenço. “Chore à
vontade”.
Emily contou sobre um rapaz que
conhecera há alguns meses, por quem se apaixonou. O professor logo entendeu
toda a história, lembrando de outros casos que haviam terminado de forma
violenta naquela região. Após deixá-la desabafar, prometeu dar todo apoio e
proteção. “Você não vai fazer nada contra a própria vontade”, garantiu a ela.
Ele sabia que, em certas
situações, os jovens tendem a cometer loucuras. Se não eles, seus próprios
pais, muitas vezes obrigando-os a se casar ou levando-os a arriscadas práticas
abortivas. Assim, aconselhou a aluna a manter o segredo sobre a gravidez, até
que ele pensasse em uma solução.
Naquela tarde, após se despedir
da garota, ficou ainda bastante tempo na escola, pensando e corrigindo
trabalhos, até perceber que já estava escurecendo. Guardou todo seu material e
apressou-se para partir, pois havia um longo caminho a percorrer. Mas antes que
saísse da sala, ouviu outra vez aquele ruído estranho que, não raramente,
atrapalhava suas explanações.
“É a freira”, pensou, rindo
nervoso. O barulho parecia vir da sala ao lado, que estava trancada. Caminhou
lentamente até a porta e olhou pelo buraco da fechadura. O barulho cessou. “Amanhã
os garotos vão adorar ouvir essa história”, disse em voz alta, para quebrar a
tensão. Mas ao sair, olhou para a escola e pôde notar, através da janela, uma
enigmática silhueta negra parada entre as carteiras.
No dia seguinte o professor conduzia
a aula tentando ignorar a única carteira vazia. “Alguém sabe por que a Emily
não veio?”. Ninguém sabia. Então, após sentar-se diante dos alunos, perguntou
se eles já haviam visto a famigerada freira.
Sim, professor, não é invenção,
muita gente já a viu no corredor, ou no sótão”, disse uma aluna. “Lembra aquela
vez que todo mundo saiu correndo?, perguntou uma garota para o resto da turma.
“Agora a gente dá risada, mas na hora deu medo”.
“E vocês sabem alguma coisa sobre
ela?”, perguntou.
“Minha vó disse que ela morreu
aqui, professor”, comentou um rapaz. “Ela cometeu um pecado grave, e foi
condenada por um tribunal do convento, ou algo assim”, disse outro. “Eu ouvi
que a deixaram presa, sem nunca ver a luz do dia, até ela morrer”.
Vendo que alguns alunos
permaneciam em silêncio, talvez assustados, e temendo ter problemas com os pais
dos jovens, o professor explicou sobre como surgem as lendas, tranquilizando a
todos.
Depois do expediente, o professor
apressou-se. Enquanto passava pelo portão, sentiu olhares
fulminantes de um vulto negro na janela, mas aquilo não o impediria. Atravessou
a plantação com o Sol ainda alto, e ao chegar ao rio a noite já começava a
cair. O bote deslizou pelas águas levando-o até a outra margem, onde
encontraria a casa que procurava.
“Eu vim ver a Emily”, disse o
professor. “Ela não foi para a escola hoje, e fiquei preocupado”. O pai,
desconfiado, não o deixava passar da cerca. “Ela está indisposta”, disse ele. Mas o professor insistiu em vê-la, até que, contrariado, o homem o deixou entrar.
A menina ficou surpresa ao ver o
professor, e este se espantou quando a viu. Ela estava de cama, abatida e machucada. Eram
óbvios os maus tratos que sofrera. Pela postura do pai, ficou fácil deduzir o que havia acontecido. “Eu acabei contando a ele”, desculpou-se a
menina.
O professor conversou com o pai
sobre as possibilidades para o caso, que não necessariamente incluíam casamento
ou aborto. “Ela pode ter a criança e continuar solteira”, falou. Mas o pai,
preso a tradições familiares e velhos preconceitos, estava irredutível. Se a
filha não casasse, coisas ruins aconteceriam, principalmente para o pai da
criança.
Voltando desanimado pelo caminho
escuro, o professor atravessou o rio com uma neblina espessa, tentando remar enquanto
segurava a lanterna. Ele não percebia, mas as sombras que o cercavam confundiam-se
com o hábito da freira que o acompanhava no barco. “Não existem fantasmas”,
falava ele para espantar o medo. “As assombrações na verdade são o machismo e
esses costumes que fazem tantas vítimas, perpetuando esse ciclo de sofrimento
para tantas famílias...”.
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