Acordei sabendo que havia deixado o
mundo dos vivos. Não senti dor, nem raiva. Estava apenas curioso sobre o que viria
a seguir. Eu sabia que estava em um plano superior, mas que ali não era o paraíso, nem nada equivalente. O lugar lembrava muito uma sala de aula, e então um professor
apareceu.
Eu achei tudo muito natural, como
se já houvesse passado por aquilo. “Você vai fazer alguns testes para
definirmos o seu local de destino. Boa sorte!”, disse o professor, entregando-me uma folha
de prova.
A questão era muito simples:
“Escrever uma carta a Deus justificando sua entrada em Seu reino”. Como sempre
cultivei o hábito de escrever, foi com grande tranquilidade que produzi meu
texto. As ideias vinham com muita rapidez, e em pouco tempo finalizei a tarefa.
O professor leu meu texto e,
aparentemente satisfeito, anotou algo em sua prancheta. “Muito bem, sigamos em
frente!”.
O segundo exercício era
igualmente fácil: cuidar de um animal em situação de abandono. “Excelente!”, pensei, sendo encaminhado a um local que lembrava um abrigo. Sempre fui apaixonado por animais, e há
muitos anos cuido deles voluntariamente. Cães, gatos, coelhos e toda uma
variedade de bichos ali se encontravam. Eu tinha que escolher um, e aplicar os
cuidados necessários. Mas não consegui optar por um só. Dei atenção a todos
aqueles pobrezinhos, que me retribuíram o afeto, até que fui levado a outro ambiente.
“Você está se saindo muito bem. A
terceira tarefa é igualmente bastante simples”, disse o professor. “Basta
manter uma conversa comigo durante cinco minutos”. Realmente, seria muito fácil,
pensei, satisfeito. “Mas em russo”, ele completou.
Esta foi a primeira atividade que
não consegui finalizar. O engraçado é que eu sempre sonhei em aprender russo, pois adoro
a língua, mas nunca me dediquei o suficiente para dominá-la. Assim, tudo o que
consegui foi pronunciar meia dúzia de palavras, e entender duas ou três das que
ele me disse. Falhei.
“Tudo bem, são raros os que obtêm
sucesso em todas as questões”, tranquilizou-me o professor. Então me encaminhou
para uma espécie de adega, e deduzi que a próxima tarefa seria relacionada a
vinhos. “Outra atividade bastante fácil para você”, disse o professor. “Deverá
degustar o conteúdo de uma garrafa à sua escolha e em seguida apontar a safra e
o tipo de uva com que foi produzido”.
Neste ponto comecei a estranhar
aquele teste. Por que ele disse que seria fácil para mim? De fato, eu sempre
amei vinhos, e queria muito me aprofundar na área, mas nunca deixei de ser um
leigo no assunto. “Tem certeza que é o teste certo?”, perguntei.
O professor conferiu algo em sua
prancheta e confirmou: “Sim, não houve nenhum engano, ao menos da nossa parte”.
Confuso, tentei completar a atividade saboreando um dos vinhos, mas me faltava
conhecimento para dar as respostas certas e acabei fracassando novamente. Comecei a ficar
preocupado.
“E como última tarefa, você irá
construir uma casa”, falou, apontando uma pilha de tijolos e materiais de construção.
Fiquei indignado. Como os tais testes puderam ter começado tão fáceis, para depois ficarem tão desafiadores? “Mas agora você terá
ajuda”, tranquilizou-me o professor. Ao mesmo tempo apareceram três pessoas mascaradas.
Não me contive e falei: “Desculpe,
mas acho que ainda é uma equipe muito pequena para construir uma casa, não?”. O professor sorriu:
“Eu mencionei que esta será a residência onde você vai morar por toda a eternidade?”.
Aquele era o absurdo dos
absurdos. Exigi uma explicação. Benevolentemente, ele falou: “Ainda há pouco li uma carta
muito bonita sua, narrando o quanto merecia entrar neste reino. Você escreveu com
facilidade por ter sido agraciado desde a infância com o amor às palavras. Em
seguida atingiu a nota máxima na segunda tarefa, por ter praticado na Terra o
amor pelos animais”.
“Mas e depois?”, perguntei. “Por que
me deu tarefas tão difíceis?”.
“Não seriam difíceis, se você
tivesse seguido seu coração quando teve a chance. Desenvolver qualquer
habilidade é fácil quando você faz o que ama. O amor é um magnetismo que recebem
os indivíduos, para que sejam atraídos às tarefas a que estão destinados. Nada é
por acaso”.
Compreendi que eu deveria ter
ouvido o chamado e aprendido a fazer tudo aquilo que desejava, quando tive
chance. Língua russa... enologia... sempre estiveram em meu coração. Mas construir uma
casa? Isso nunca me despertou qualquer interesse.
“Nesta parte, o segredo não é a
tarefa, e sim a equipe de trabalho. Para você apareceram três pessoas, que são as
únicas que você realmente ama”. E assim que elas tiraram as máscaras,
reconheci, emocionado, meus pais e meu irmão, de quem recebi um longo abraço.
“Mais uma vez, o amor é a
resposta”, esclareceu o professor. “Quanto mais pessoas você amar, mais apoio terá
para construir sua moradia no reino dos céus”.
“Então eu falhei”, concluí.
“Não”, disse o professor. “Não
permito que ninguém falhe. Você sempre terá mais uma chance”.
E subitamente me vi em casa,
acordando com os primeiros raios de sol que entravam pela janela, disposto a
começar mais um dia na Terra. Meu coração estava preenchido com um imenso amor a
diversas coisas e pessoas que, desta vez, não seriam ignoradas.
Texto maravilhoso! Parabéns!! Para refletir ...
ResponderExcluirTexto maravilhoso para reflexão!
ResponderExcluirExcelente conto. Parabéns
ResponderExcluirIncrível! Me mostrou q eu preciso terminar de aprender inglês 😂
ResponderExcluirTexto perfeito,parabéns!
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirÓtima relexão!