segunda-feira, junho 06, 2016

A Casa da Praia (L.F.Riesemberg)


Antony construía um castelo de areia quando a irmã trouxe um balde cheio de conchinhas. “Consegui umas bem grandes!”, disse ela. O garoto olhou a pequena coleção ainda úmida e pegou um caramujo. “Vou enfeitar minha torre com este”. A menina concordou e voltou correndo para o mar. Era o último dia na praia, e estava proibido desperdiçar qualquer minuto.

O garoto passara todos seus verões naquele lugar. Dera os primeiros passos na mesma areia que, agora, escavava com a pazinha. À pequena distância ficava a velha casa de praia da família, de onde os pais observavam as duas crianças. “Agora venham! Está na mesa!”, chamou a mãe.

Almoçavam vendo o mar pela janela, degustando o peixe pescado naquela mesma manhã. “Nós temos mesmo que partir?”, perguntou a menina. Os adultos se olharam, um deixando para que o outro falasse, até que a mãe tomou a iniciativa: “Sim, Bianca. Nada dura para sempre, especialmente as férias”.

Mais calado, Antony pensava em uma maneira de levar a praia consigo para a cidade. Assim sentiria menos saudades, e teria mais recordações durante outro ano longe dali. “Vou levar um pouco do mar em uma garrafa”, falou.

Naquela última tarde, o menino completou mais uma vez seu ritual. Depois do almoço, perguntou à mãe se já podia dar um mergulho. Ela o lembrou, pela milésima vez, que era preciso esperar a maré baixar. Enquanto isso não ocorria, ele pediu dinheiro para comprar picolé de um ambulante que passava com seu carrinho. Depois o menino provocou a irmã, correndo atrás dela com a pistola de água. Então ficou resolvendo uma revista de palavras cruzadas que comprara na banca, no dia anterior.

Por ser o último dia antes de voltarem, era importante cumprir todas as tarefas. Não esqueceu nem mesmo de tomar café na caneca verde de plástico, comendo pão com uma fatia grossa de queijo. Mais tarde, liberada a ida ao mar, fez questão de ficar sentado nas pedras, com o sol a lhe secar a pele, até que uma onda batesse com força e lhe molhasse novamente.

Em todos os anos esses acontecimentos se repetiam, e Antony pressentia que eles eram muito maiores do que as aparências indicavam. À noite, ele pediu à mãe que lhe passasse o hidratante nas costas, inspirou a fumaça do espiral contra mosquitos e tentou pegar uma lagartixa na parede, só para vê-la correr feito bêbada pelas tábuas.

Após a noite cair, antes de dormirem com a música das ondas, o pai convidou toda a família para uma caminhada noturna pela praia. Outra aventura que não poderia deixar de se repetir. Caminharam descalços pela areia úmida, observando a pequena luz do farol, à distância.

“Crianças, preciso contar uma coisa”, falou o pai, em tom grave. Tal ar não combinava com aqueles dias mágicos, e Antony sugeriu discretamente que a conversa fosse adiada. A praia deveria ser somente lugar de histórias felizes.

“Você não sabe ainda?”, perguntou a irmã, no caminho de volta. “O pai vai vender a casa. Nunca mais vamos voltar aqui”.

Depois do choque, o garoto se obrigou a não pregar os olhos, um minuto sequer, durante toda a noite. Queria se impregnar, pela última vez, com o cheiro de colchão velho daquele beliche. Outra vez queria ouvir o noturno estalar das madeiras do quarto, que a mãe dizia ser efeito do calor, mas que ele tinha certeza serem fantasmas. E queria uma vez mais sentir sede de madrugada e ter que caminhar no escuro até a cozinha, mesmo com medo, para beber água do filtro de barro.

“Adeus, casinha”, disse Bianca, na manhã seguinte, depositando uma flor em cada janela, como despedida. “Não fiquem tristes, meninos”, disse a mãe. “Um dia vamos comprar uma muito maior que esta, em uma praia bem melhor também”. Mas ela disfarçadamente enxugou uma lágrima quando os quatro deram um abraço coletivo. E enquanto o carro se afastava, Antony ficou olhando pela janela, tentando gravar em sua memória a última imagem daqueles dias felizes de sua infância.

Hoje, depois de quarenta anos, ele volta pela primeira vez àquele lugar. Nada parece como antes. A casa foi demolida, mas ele olha e a vê, como uma fotografia antiga, com todas suas imperfeições, e uma lágrima brota de seus olhos. Não há mais o pai nem a mãe para abraçá-lo, porém ali estão eles, deitados na rede sob a sombra da varanda, e Antony deseja ardentemente voltar ao passado, para aquela vida da mais doce inocência, que se desfizera no ar feito cinzas, consumidas pelas traças do tempo.

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