Antony
construía um castelo de areia quando a irmã trouxe um balde cheio de conchinhas.
“Consegui umas bem grandes!”, disse ela. O garoto olhou a pequena coleção ainda
úmida e pegou um caramujo. “Vou enfeitar minha torre com este”. A menina
concordou e voltou correndo para o mar. Era o último dia na praia, e
estava proibido desperdiçar qualquer minuto.
O
garoto passara todos seus verões naquele lugar. Dera os primeiros passos na
mesma areia que, agora, escavava com a pazinha. À pequena distância ficava a velha casa
de praia da família, de onde os pais observavam as duas crianças. “Agora venham!
Está na mesa!”, chamou a mãe.
Almoçavam
vendo o mar pela janela, degustando o peixe pescado naquela mesma manhã. “Nós
temos mesmo que partir?”, perguntou a menina. Os adultos se olharam, um deixando
para que o outro falasse, até que a mãe tomou a iniciativa: “Sim, Bianca. Nada
dura para sempre, especialmente as férias”.
Mais
calado, Antony pensava em uma maneira de levar a praia consigo para a cidade. Assim sentiria
menos saudades, e teria mais recordações durante outro ano longe dali. “Vou
levar um pouco do mar em uma garrafa”, falou.
Naquela última tarde, o menino completou mais uma vez seu ritual. Depois do almoço,
perguntou à mãe se já podia dar um mergulho. Ela o lembrou, pela milésima vez,
que era preciso esperar a maré baixar. Enquanto isso não ocorria, ele pediu
dinheiro para comprar picolé de um ambulante que passava com seu carrinho. Depois
o menino provocou a irmã, correndo atrás dela com a pistola de água. Então
ficou resolvendo uma revista de palavras cruzadas que comprara na banca, no dia
anterior.
Por
ser o último dia antes de voltarem, era importante cumprir todas as tarefas.
Não esqueceu nem mesmo de tomar café na caneca verde de plástico, comendo pão com uma
fatia grossa de queijo. Mais tarde, liberada a ida ao mar, fez questão de ficar
sentado nas pedras, com o sol a lhe secar a pele, até que uma onda batesse com
força e lhe molhasse novamente.
Em todos
os anos esses acontecimentos se repetiam, e Antony pressentia que eles eram
muito maiores do que as aparências indicavam. À noite, ele pediu à mãe que lhe passasse o hidratante
nas costas, inspirou a fumaça do espiral contra mosquitos e tentou pegar uma
lagartixa na parede, só para vê-la correr feito bêbada pelas tábuas.
Após a noite cair, antes de dormirem com a música das ondas, o pai convidou toda a
família para uma caminhada noturna pela praia. Outra aventura que não poderia
deixar de se repetir. Caminharam descalços pela areia úmida, observando a pequena luz do farol,
à distância.
“Crianças,
preciso contar uma coisa”, falou o pai, em tom grave. Tal ar não combinava com
aqueles dias mágicos, e Antony sugeriu discretamente que a conversa fosse
adiada. A praia deveria ser somente lugar de histórias felizes.
“Você
não sabe ainda?”, perguntou a irmã, no caminho de volta. “O pai vai vender a
casa. Nunca mais vamos voltar aqui”.
Depois
do choque, o garoto se obrigou a não pregar os olhos, um minuto sequer, durante
toda a noite. Queria se impregnar, pela última vez, com o cheiro de colchão velho daquele
beliche. Outra vez queria ouvir o noturno estalar das madeiras do quarto, que a mãe dizia ser
efeito do calor, mas que ele tinha certeza serem fantasmas. E queria uma vez mais sentir
sede de madrugada e ter que caminhar no escuro até a cozinha, mesmo com medo, para beber
água do filtro de barro.
“Adeus,
casinha”, disse Bianca, na manhã seguinte, depositando uma flor em cada janela,
como despedida. “Não fiquem tristes, meninos”, disse a mãe. “Um dia vamos
comprar uma muito maior que esta, em uma praia bem melhor também”. Mas ela disfarçadamente enxugou uma lágrima quando os quatro deram um abraço coletivo. E
enquanto o carro se afastava, Antony ficou olhando pela janela, tentando
gravar em sua memória a última imagem daqueles dias felizes de sua infância.
Hoje,
depois de quarenta anos, ele volta pela primeira vez àquele lugar. Nada parece
como antes. A casa foi demolida, mas ele olha e a vê, como uma fotografia antiga, com todas suas
imperfeições, e uma lágrima brota de seus olhos. Não há mais o pai nem a mãe
para abraçá-lo, porém ali estão eles, deitados na rede sob a sombra da varanda, e Antony deseja ardentemente
voltar ao passado, para aquela vida da mais doce inocência, que se desfizera no ar feito cinzas, consumidas pelas traças do tempo.
ler isto me deu uma nostalgia da minha infância...
ResponderExcluirMuito legal Nando!!!
ResponderExcluirAdorei!!
Que história linda.
ResponderExcluirBelo!
ResponderExcluirMuito boa a história e conta todos os mínimos detalhes
ResponderExcluirParabéns mesmo
Uau lindo
ResponderExcluirMuito bonito!
ResponderExcluirmuito top
ResponderExcluirParabéns
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