terça-feira, junho 16, 2015

A Nave Mãe (L.F.Riesemberg)





Ouvi um som de batidas. Levei algum tempo para entender o que eram e onde eu estava. No começo, pensei que era um tipo de hotel, onde eu podia dormir, comer e nadar. Depois fui ouvindo uma voz bonita e tranquila falando comigo, sem entender de onde vinha, e senti uma mão me acariciando constantemente.
De alguma forma fiquei sabendo que eu era apenas um bebê dentro da barriga de Mamãe. Lá era escuro, e a cada dia ia ficando mais apertado. Mas eu devia continuar daquele jeito até poder sair.
Eu não conseguia explicar direito o que era Mamãe, mas sabia que eu era parte dela, e ela parte de mim. Eu podia ouvir tudo o que ela falava, e sentia tudo o que ela sentia. Isso me deixava muito seguro e feliz.
Conforme os dias iam passando e meu corpo modificando, mais eu gostava de estar naquele pequeno mundo. Mamãe me dava tudo o que eu precisava, e dizia que logo iríamos nos conhecer. Mas eu estava dentro dela. Eu já a conhecia muito bem!
Às vezes eu ouvia outra voz também falando comigo. Era Papai, um cara legal que fazia brincadeiras e também gostava muito de mim.
Estava tudo ótimo, até que um dia eu senti tudo tremer, e percebi que era Mamãe chorando. Ficar triste foi a primeira coisa realmente ruim que senti. Papai também chorou, e entendi que alguma coisa não estava certa. Descobri que eu tinha um problema grave, e não conseguiria viver muito tempo fora de Mamãe. Por mim estava tudo bem, porque era ótimo lá dentro. Para que sair? Mas ela tinha que escolher se abortava a missão, ou se esperava chegar a hora certa.
Torci muito para que ela deixasse tudo como estava, e ela atendeu meus pedidos. Eu ficaria lá, até quando fosse possível. Que alívio tive neste dia! Assim eu continuei tendo tudo o que ela me dava, e ia notando as mudanças engraçadas que aconteciam com o meu corpinho.
Aos poucos, comecei a ouvir algumas pessoas me chamando por um nome estranho. Não gostei dessas pessoas e nem desse nome. Mas achava legal quando Papai brincava comigo e me chamava de cabeça oca. Eu não via a hora de poder chamá-lo de algum nome engraçado também.
Mamãe sempre ficava triste, porque diziam para ela que não valia a pena continuar comigo, pois eu não estava vivo. Nessas horas eu dava pulos e chutes para saberem que eu estava, sim. E quando Mamãe sentia essas minhas estripulias, dava risada e às vezes chorava, mas de alegria.
Apesar de eu continuar me sentindo bem, eu notava que o lugar estava ficando pequeno demais para mim, e que logo chegaria o fim daquela viagem.
Aproveitei cada segundo de uma onda radiante que entrava em mim, até entender que era isso que chamavam de Amor. Mas um dia acordei e me senti sendo arrancado em direção a uma luz muito forte, e eu não tinha forças para me segurar. Foi violento o que sofri, e eu precisei gritar, pedir socorro, implorar para que não tirassem Mamãe de mim! Eu estava muito assustado, mas por fim me enrolaram em um cobertor e me colocaram do lado dela. Pude finalmente abraçá-la e percebê-la de outro ponto de vista. Eu estava exausto, e ela também, então me agarrei nela querendo nunca mais soltar. Ela sorria e chorava ao mesmo tempo. Eu só queria admirá-la, agradecê-la, ficar ali para sempre.
Pouco depois chegou Papai, que me chamou de cabeça oca mais uma vez, só de brincadeira, como as pessoas fazem quando gostam de alguém.
Fiquei lá, no meio dos dois, sentindo o calor que me passavam, e voltei a ouvir, mais alto do que nunca, o som daquelas batidas que nunca paravam. Meu coração foi ficando mais fraco, mas o batuque continuava forte dentro de Mamãe. Lentamente, senti como se eu estivesse voltando para dentro dela e, em pensamento, me despedi dos dois, agradecendo por me deixarem experimentar esta aventura incrível que é viver.      

2 comentários:

  1. Gabriel Riesembergjunho 17, 2015 5:46 PM

    Muito bom. Gostei demais.

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  2. Parabéns, L.F. Riesemberg, por mais este belo conto. Na verdade, mais que um conto, isto é um libelo a liberdade e o direito a vida, indo totalmente contra o aborto!!!

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