Ouvi um som de batidas. Levei algum
tempo para entender o que eram e onde eu estava. No começo, pensei que era um tipo
de hotel, onde eu podia dormir, comer e nadar. Depois fui ouvindo uma voz
bonita e tranquila falando comigo, sem entender de onde vinha, e senti uma mão
me acariciando constantemente.
De alguma forma fiquei sabendo
que eu era apenas um bebê dentro da barriga de Mamãe. Lá era escuro, e a cada
dia ia ficando mais apertado. Mas eu devia continuar daquele jeito até poder sair.
Eu não conseguia explicar direito
o que era Mamãe, mas sabia que eu era parte dela, e ela parte de mim. Eu podia ouvir
tudo o que ela falava, e sentia tudo o que ela sentia. Isso me deixava muito
seguro e feliz.
Conforme os dias iam passando e
meu corpo modificando, mais eu gostava de estar naquele pequeno mundo. Mamãe me
dava tudo o que eu precisava, e dizia que logo iríamos nos conhecer. Mas eu estava
dentro dela. Eu já a conhecia muito bem!
Às vezes eu ouvia outra voz também
falando comigo. Era Papai, um cara legal que fazia brincadeiras e também
gostava muito de mim.
Estava tudo ótimo, até que um dia
eu senti tudo tremer, e percebi que era Mamãe chorando. Ficar triste foi a
primeira coisa realmente ruim que senti. Papai também chorou, e entendi que
alguma coisa não estava certa. Descobri que eu tinha um problema grave, e não
conseguiria viver muito tempo fora de Mamãe. Por mim estava tudo bem, porque era
ótimo lá dentro. Para que sair? Mas ela tinha que escolher se abortava a missão,
ou se esperava chegar a hora certa.
Torci muito para que ela deixasse
tudo como estava, e ela atendeu meus pedidos. Eu ficaria lá, até quando fosse
possível. Que alívio tive neste dia! Assim eu continuei tendo tudo o que ela me
dava, e ia notando as mudanças engraçadas que aconteciam com o meu corpinho.
Aos poucos, comecei a ouvir
algumas pessoas me chamando por um nome estranho. Não gostei dessas pessoas e
nem desse nome. Mas achava legal quando Papai brincava comigo e me chamava de
cabeça oca. Eu não via a hora de poder chamá-lo de algum nome engraçado também.
Mamãe sempre ficava triste,
porque diziam para ela que não valia a pena continuar comigo, pois eu não
estava vivo. Nessas horas eu dava pulos e chutes para saberem que eu estava,
sim. E quando Mamãe sentia essas minhas estripulias, dava risada e às vezes chorava,
mas de alegria.
Apesar de eu continuar me
sentindo bem, eu notava que o lugar estava ficando pequeno demais para mim, e
que logo chegaria o fim daquela viagem.
Aproveitei cada segundo de uma
onda radiante que entrava em mim, até entender que era isso que chamavam de Amor.
Mas um dia acordei e me senti sendo arrancado em direção a uma luz muito forte,
e eu não tinha forças para me segurar. Foi violento o que sofri, e eu precisei gritar,
pedir socorro, implorar para que não tirassem Mamãe de mim! Eu estava muito
assustado, mas por fim me enrolaram em um cobertor e me colocaram do lado dela.
Pude finalmente abraçá-la e percebê-la de outro ponto de vista. Eu estava exausto,
e ela também, então me agarrei nela querendo nunca mais soltar. Ela sorria e
chorava ao mesmo tempo. Eu só queria admirá-la, agradecê-la, ficar ali para
sempre.
Pouco depois chegou Papai, que me
chamou de cabeça oca mais uma vez, só de brincadeira, como as pessoas fazem
quando gostam de alguém.
Fiquei lá, no meio dos dois, sentindo
o calor que me passavam, e voltei a ouvir, mais alto do que nunca, o som
daquelas batidas que nunca paravam. Meu coração foi ficando mais fraco, mas o batuque
continuava forte dentro de Mamãe. Lentamente, senti como se eu estivesse
voltando para dentro dela e, em pensamento, me despedi dos dois, agradecendo
por me deixarem experimentar esta aventura incrível que é viver.
Muito bom. Gostei demais.
ResponderExcluirParabéns, L.F. Riesemberg, por mais este belo conto. Na verdade, mais que um conto, isto é um libelo a liberdade e o direito a vida, indo totalmente contra o aborto!!!
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