quarta-feira, junho 04, 2014

O Encontro (L.F.Riesemberg)




Era só amizade, nada mais. Eu a conhecia pelas fotos que publicava e pelas palavras escritas, quase sempre corretas, com que se comunicava comigo. Confesso que as palavras me chamavam mais atenção do que as fotos. Apenas, talvez, me agradasse particularmente aquela usada para ilustrar seu perfil na rede social: uma foto com um efeito avermelhado em que quase não se identificava o rosto, mas notava-se o sorriso com olhos tímidos.
Apesar do grau de parentesco, tínhamos nos descoberto há pouco tempo. Nos chamávamos de “primo” e “prima”. Para mim, essa palavrinha era a grande muralha de gelo que impedia a aproximação de qualquer sentimento além da amizade. E esse distanciamento não despertou dúvidas em meu coração nem mesmo quando surgiu o papo de “temos que nos conhecer pessoalmente”, proposto não sei por quem de nós. Definitivamente, era só amizade, nada mais. No máximo, amor de primos, menor que amor de irmão e irmã.
-Onde você quer ir jantar?
-Você escolhe.
-Nada disso, quem escolhe é você.
Depois de muito deste educado empurra-empurra, um pingo de decisão:
-Olha, eu só não gosto de comida japonesa. Fora isso, topo tudo.
-Ufa! Eu tava torcendo para você não dizer comida japonesa...
Fomos de italiana, por decisão dela, em Santa Felicidade. Mas minha vontade era comer um hambúrguer. Lá dentro do restaurante, tudo em conformidade para um jantar bem família. Nada de luz de velas ou música romântica. Em vez disso, crianças gritando na piscina de bolinhas e uma mesa cheia de idosas risonhas falando alto.
É muito mais difícil falar diretamente, olho no olho, com apenas uma mesa entre os dois, do que através de um computador. As palavras não fluem. Quando você fala, não tem como voltar atrás. Mas no geral, estava tudo indo mais ou menos como o esperado. Não acho que eu tenha cometido tantas gafes, ou dito coisas de que me arrependesse. Minha previsão, desde o início do jantar, era que aquele seria nosso único encontro. Ainda mais quando ela confessou que pretendia ir para a Alemanha, fazer doutorado. Não são uns cinco anos para concluir um curso desses? Fiquei imaginando-a, sozinha, na Europa, carregando duas malas enormes, entrando no trem.
-Que legal, prima...
Naquele momento eu tive uma visão do futuro - de alguns meses apenas. Eu estava olhando suas fotos na internet e ela estava lá na Alemanha, indo de trem visitar aqueles pontos turísticos, toda cheia de casacos quentes e uma boina de lã na cabeça.  Ela escreveria as legendas das fotografias na rede social com nomes impronunciáveis. Depois, quando ela concluísse o curso e postasse as fotos de sua comemoração, eu escreveria "parabéns, prima" e eu me lembraria orgulhoso de que nós já tínhamos ido jantar num restaurante italiano. E ao mesmo tempo, quando me vi transportado novamente para aquela mesa, diante de seus olhos tímidos, me deu saudades daquele momento que eu estava vivendo ali, com ela. Como isso era possível? Eu sentia que, depois daquilo, nunca mais iríamos nos falar pessoalmente, e que aquele encontro, apesar de ser o primeiro, era uma forma de despedida. Dali em diante, nem pelo computador seriam tão frequentes ou longas as nossas conversas. E, por perceber tudo isso - que eu estava perdendo algo que mal tinha surgido - fiquei triste. 
Na nossa despedida demos um breve beijo no rosto, e por mais que não falássemos nisso, eu sabia que era um beijo de adeus.
-Vamos marcar de nos ver mais vezes!
-Claro... vamos, sim...
-Tchau, se cuide!
E fiquei olhando o carro dela ir embora até desaparecer no meio da noite.

***

Era para a história acabar aqui. Seria um final melancólico, memorável. Toda vez que eu pensasse na prima, me lembraria que eu a havia amado, mesmo que por curtos instantes, e que esse sentimento ficou em segredo. Então um arrepio percorreria minha pele e me bateria uma nostalgia de tudo aquilo que quase vivi. Um final perfeito para um conto, na minha opinião. Mas a verdade é que a história, no mundo real, continuou. No dia seguinte nos falamos novamente, combinamos de ir ao cinema e, no terceiro dia, eu a pedi em namoro. Hoje estamos casados e deste amor surgiu um fruto maravilhoso, tão bagunçado e amoroso quando aquele primeiro encontro, chamado Tiago. A beleza da vida, do dia-a-dia, ainda é muito maior e mais sublime do que aquela que encontramos nos livros.

6 comentários:

  1. "É muito mais difícil falar diretamente, olho no olho, com apenas uma mesa entre os dois, do que através de um computador. As palavras não fluem. Quando você fala, não tem como voltar atrás."
    Me identifiquei c:

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  2. Que bom que, além da história escrita, a história da vida real prosseguiu; parabéns por ter dado continuidade a este amor e pelo complemento da família, com a chegada do Tiago!!!

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  3. Primeiro que leio. Com toda certeza vou ler mais!

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  4. "A beleza da vida, do dia-a-dia, ainda é muito maior e mais sublime do que aquela que encontramos nos livros". Rapaz...

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  5. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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  6. Que história linda!

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