domingo, maio 08, 2016

O Ator (L.F.Riesemberg)



E eis que um grande shopping resolveu implantar campanha inédita naquele ano. Ao invés de apenas contratar um Papai Noel, tiveram a ideia de chamar um ator para interpretar Jesus e interagir com os clientes. Tudo seria gravado para um vídeo promocional.

O trabalho chegava em boa hora. Plínio estava magro, com barba e cabelos longos, como o papel exigia. E a catequese da infância finalmente teria alguma utilidade, pois ele deveria saber falar como Jesus.

“A campanha quer celebrar o verdadeiro espírito do Natal”, disse o diretor. “Queremos capturar a expressão de felicidade das pessoas ao se depararem com o próprio Cristo andando no shopping”.

Iniciada a tarefa, o ator viu-se percorrendo, de túnica e pés descalços, a imensa galeria de lojas, e encarou o olhar perplexo dos transeuntes.

Sorriso cativante no rosto, caminhava atento às reações petrificadas, aos olhos arregalados, até uma senhora parar em sua frente e beijar-lhe a mão. “Sua bênção, senhor”, disse, visivelmente emocionada, e com um abraço o ator selou o breve encontro. Mais à frente surgiu o pedido para um retrato com o celular, que se seguiu a outros.

Conforme caminhava, mais pessoas brotavam ao seu redor, e com o olhar solicitavam algum tipo de carinho. Plínio sentiu que aquela gente, carregada de sacolas, precisava de algo que não estava à venda, e encontrava em sua figura um alívio para as aflições.

Sem nunca sair do personagem, Plínio acolhia a todos com sorrisos e gestos humildes, e se deixava fotografar ao lado deles, até ser discretamente tocado por um membro da equipe e dirigido a uma sala reservada.

“Muito bem, conseguimos lindas imagens do seu trabalho. Aqui está o cachê”. O ator recebeu o dinheiro, porque necessitava, mas havia se sentido tão bem naquele papel, que não tinha vontade de interromper a ação.

“Tem certeza que já conseguiram? Posso vir mais vezes”. E o diretor lançou um olhar complacente: “Desculpe, mas não é a intenção do shopping. Faz mal para as vendas, se é que me entende”.

Sentindo-se expulso, Plínio saiu com suas roupas normais, e ao ingressar novamente nos tumultuados corredores do shopping, percebeu-se praticamente invisível pela mesma gente que, minutos antes, andava a lhe beijar as vestes.

“É isso...”, concluiu, tristemente, ao olhar o manequim em uma vitrine. As pessoas tinham necessidade de uma aparência, de uma máscara. Tiravam fotos ao lado de Jesus para exibir nas redes sociais, mas não o reconheceriam se ele se apresentasse sob outra forma.

Chateado, saiu para a rua desejando um mundo melhor, ausente de tanta superficialidade e interesses mesquinhos. A noite caía, e leve garoa lhe molhava a roupa. Foi quando viu, a alguns metros, na calçada, um menino de aproximadamente quatro anos, bem vestido, andando sozinho e desnorteado.

Na porta de vidro do prédio, o ator viu a si mesmo refletido. Mas visualizou-se com a vestimenta branca como a que usara há pouco, enquanto interpretava Cristo. Lembrou-se da sensação agradável de ser um consolador, e ajoelhou-se diante do garoto.

“O que aconteceu? Está perdido?”. E a criança, traumatizada, deixou cair o pranto. Não conseguiria falar, e Plínio a abraçou, como teria feito o personagem que encarnara até então.

“Venha, amiguinho, vamos procurar seus pais”, disse o ator, levando o menino pela mão. Não tardaria em encontrar um posto policial, mas decidiu que só largaria do rapazinho quando a mãe aparecesse. Não queria abandonar aquela frágil criatura assustada. E pensando essas coisas, não notou o que se passava ao seu redor.

O tio do menino, que por um grave descuido deixou que ele se perdesse, e que por acaso havia tirado uma foto com o Jesus do shopping, aproximou-se, ensandecido. Ao ver o menino sendo puxado por aquele homem horrendo, não hesitou em sacar a arma que sempre trazia consigo para defesa própria, e disparou.


O ferimento foi certeiro, e Plínio tombou na calçada. Mas antes de fechar os olhos, viu que o seu reflexo no vidro, vestido de túnica, continuava em pé e agora lhe estendia as mãos, em um convidativo gesto de paz.  


4 comentários:

  1. Olá, Riesemberg.
    Parabéns por seu belo trabalho.
    Peço permissão para utilizar o conto "O ATOR" em uma de minhas avaliações escolares. Tenho certeza de que meus alunos amarão. Os devidos créditos serão dados.
    Grata.
    Professora Marcela.

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  2. Gabriel Riesembergjunho 02, 2016 3:12 PM

    Excelente conto. Parabéns!

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  3. L. F. Riesemberg, parabéns por mais este conto fantástico; que Deus lhe abençoe sempre por esta mente extremamente criativa, que produz tão belos obras, para todos os amantes (assim como eu), da literatura ficcional e fantástica!

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  4. Que história linda! Apesar do final ser meio triste, mas nos deixa muitas lições. Sem dúvidas a pessoa de Jesus sempre inspirará diversas narrativas dotadas de vida, verdade e amor.

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