E eis que um grande shopping resolveu implantar campanha inédita naquele
ano. Ao invés de apenas contratar um Papai Noel, tiveram a ideia de chamar um
ator para interpretar Jesus e interagir com os clientes. Tudo seria gravado
para um vídeo promocional.
O trabalho chegava em boa hora. Plínio estava magro, com barba e cabelos
longos, como o papel exigia. E a catequese da infância finalmente teria alguma
utilidade, pois ele deveria saber falar como Jesus.
“A campanha quer celebrar o verdadeiro espírito do Natal”, disse o
diretor. “Queremos capturar a expressão de felicidade das pessoas ao se depararem com o
próprio Cristo andando no shopping”.
Iniciada a tarefa, o ator viu-se percorrendo, de túnica e pés descalços,
a imensa galeria de lojas, e encarou o olhar perplexo dos transeuntes.
Sorriso cativante no rosto, caminhava atento às reações petrificadas,
aos olhos arregalados, até uma senhora parar em sua frente e beijar-lhe a mão.
“Sua bênção, senhor”, disse, visivelmente emocionada, e com um abraço o ator
selou o breve encontro. Mais à frente surgiu o pedido para um retrato com o
celular, que se seguiu a outros.
Conforme caminhava, mais pessoas brotavam ao seu redor, e com o olhar
solicitavam algum tipo de carinho. Plínio sentiu que aquela gente, carregada de
sacolas, precisava de algo que não estava à venda, e encontrava em sua figura
um alívio para as aflições.
Sem nunca sair do personagem, Plínio acolhia a todos com sorrisos e
gestos humildes, e se deixava fotografar ao lado deles, até ser discretamente tocado por um
membro da equipe e dirigido a uma sala reservada.
“Muito bem, conseguimos lindas imagens do seu trabalho. Aqui está o
cachê”. O ator recebeu o dinheiro, porque necessitava, mas havia se sentido tão
bem naquele papel, que não tinha vontade de interromper a ação.
“Tem certeza que já conseguiram? Posso vir mais vezes”. E o diretor lançou um olhar complacente: “Desculpe, mas
não é a intenção do shopping. Faz mal para as vendas, se é que me entende”.
Sentindo-se expulso, Plínio saiu com suas roupas normais, e ao ingressar
novamente nos tumultuados corredores do shopping, percebeu-se praticamente
invisível pela mesma gente que, minutos antes, andava a lhe beijar as vestes.
“É isso...”, concluiu, tristemente, ao olhar o manequim em uma vitrine. As
pessoas tinham necessidade de uma aparência, de uma máscara. Tiravam fotos ao
lado de Jesus para exibir nas redes sociais, mas não o reconheceriam se ele se
apresentasse sob outra forma.
Chateado, saiu para a rua desejando um mundo melhor, ausente de tanta superficialidade e interesses mesquinhos. A noite caía, e leve garoa lhe molhava a roupa. Foi quando viu, a alguns metros, na calçada, um menino de aproximadamente quatro anos, bem vestido, andando sozinho e desnorteado.
Na porta de vidro do prédio, o ator viu a si mesmo refletido. Mas visualizou-se
com a vestimenta branca como a que usara há pouco, enquanto interpretava
Cristo. Lembrou-se da sensação agradável de ser um consolador, e ajoelhou-se
diante do garoto.
“O que aconteceu? Está perdido?”. E a criança, traumatizada, deixou cair o pranto. Não conseguiria falar, e Plínio a abraçou,
como teria feito o personagem que encarnara até então.
“Venha, amiguinho, vamos procurar seus pais”, disse o ator, levando o
menino pela mão. Não tardaria em encontrar um posto policial, mas decidiu que
só largaria do rapazinho quando a mãe aparecesse. Não queria abandonar aquela
frágil criatura assustada. E pensando essas coisas, não notou o que se passava
ao seu redor.
O tio do menino, que por um grave descuido deixou que ele se perdesse, e
que por acaso havia tirado uma foto com o Jesus do shopping, aproximou-se, ensandecido.
Ao ver o menino sendo puxado por aquele homem horrendo, não hesitou em sacar a
arma que sempre trazia consigo para defesa própria, e disparou.
O ferimento foi certeiro, e Plínio tombou na calçada. Mas antes de fechar
os olhos, viu que o seu reflexo no vidro, vestido de túnica, continuava em pé e agora lhe estendia as mãos, em um convidativo gesto de paz.
Olá, Riesemberg.
ResponderExcluirParabéns por seu belo trabalho.
Peço permissão para utilizar o conto "O ATOR" em uma de minhas avaliações escolares. Tenho certeza de que meus alunos amarão. Os devidos créditos serão dados.
Grata.
Professora Marcela.
Excelente conto. Parabéns!
ResponderExcluirL. F. Riesemberg, parabéns por mais este conto fantástico; que Deus lhe abençoe sempre por esta mente extremamente criativa, que produz tão belos obras, para todos os amantes (assim como eu), da literatura ficcional e fantástica!
ResponderExcluirQue história linda! Apesar do final ser meio triste, mas nos deixa muitas lições. Sem dúvidas a pessoa de Jesus sempre inspirará diversas narrativas dotadas de vida, verdade e amor.
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