Era
só amizade, nada mais. Eu a conhecia pelas fotos que publicava e pelas palavras
escritas, quase sempre corretas, com que se comunicava comigo. Confesso que as
palavras me chamavam mais atenção do que as fotos. Apenas, talvez, me agradasse
particularmente aquela usada para ilustrar seu perfil na rede social: uma foto com
um efeito avermelhado em que quase não se identificava o rosto, mas notava-se o
sorriso com olhos tímidos.
Apesar
do grau de parentesco, tínhamos nos descoberto há pouco tempo. Nos chamávamos
de “primo” e “prima”. Para mim, essa palavrinha era a grande muralha de gelo
que impedia a aproximação de qualquer sentimento além da amizade. E esse
distanciamento não despertou dúvidas em meu coração nem mesmo quando surgiu o
papo de “temos que nos conhecer pessoalmente”, proposto não sei por quem de nós.
Definitivamente, era só amizade, nada mais. No máximo, amor de primos, menor
que amor de irmão e irmã.
-Onde
você quer ir jantar?
-Você
escolhe.
-Nada
disso, quem escolhe é você.
Depois
de muito deste educado empurra-empurra, um pingo de decisão:
-Olha,
eu só não gosto de comida japonesa. Fora isso, topo tudo.
-Ufa!
Eu tava torcendo para você não dizer comida japonesa...
Fomos
de italiana, por decisão dela, em Santa Felicidade. Mas minha vontade era comer
um hambúrguer. Lá dentro do restaurante, tudo em conformidade para um jantar
bem família. Nada de luz de velas ou música romântica. Em vez disso, crianças
gritando na piscina de bolinhas e uma mesa cheia de idosas risonhas falando
alto.
É
muito mais difícil falar diretamente, olho no olho, com apenas uma mesa entre os
dois, do que através de um computador. As palavras não fluem. Quando você fala,
não tem como voltar atrás. Mas no geral, estava tudo indo mais ou menos como o
esperado. Não acho que eu tenha cometido tantas gafes, ou dito coisas de que me
arrependesse. Minha previsão, desde o início do jantar, era que aquele seria
nosso único encontro. Ainda mais quando ela confessou que pretendia ir para a
Alemanha, fazer doutorado. Não são uns cinco anos para concluir um curso desses?
Fiquei imaginando-a, sozinha, na Europa, carregando duas malas enormes,
entrando no trem.
-Que
legal, prima...
Naquele
momento eu tive uma visão do futuro - de alguns meses apenas. Eu estava olhando suas fotos
na internet e ela estava lá na Alemanha, indo de trem visitar aqueles pontos turísticos, toda cheia
de casacos quentes e uma boina de lã na cabeça. Ela escreveria as legendas das fotografias na rede social com
nomes impronunciáveis. Depois, quando ela concluísse o curso e postasse as fotos de sua comemoração, eu escreveria "parabéns, prima" e eu me lembraria orgulhoso de que nós já tínhamos ido jantar num restaurante italiano. E ao mesmo tempo,
quando me vi transportado novamente para aquela mesa, diante de seus olhos tímidos, me deu
saudades daquele momento que eu estava vivendo ali, com ela. Como isso era
possível? Eu sentia que, depois daquilo, nunca mais iríamos nos falar pessoalmente, e que aquele
encontro, apesar de ser o primeiro, era uma forma de despedida. Dali em
diante, nem pelo computador seriam tão frequentes ou longas as nossas conversas.
E, por perceber tudo isso - que eu estava perdendo algo que mal tinha
surgido - fiquei triste.
Na
nossa despedida demos um breve beijo no rosto, e por mais que não falássemos
nisso, eu sabia que era um beijo de adeus.
-Vamos
marcar de nos ver mais vezes!
-Claro...
vamos, sim...
-Tchau,
se cuide!
E
fiquei olhando o carro dela ir embora até desaparecer no meio da noite.
***
Era
para a história acabar aqui. Seria um final melancólico, memorável. Toda vez
que eu pensasse na prima, me lembraria que eu a havia amado, mesmo que por curtos instantes, e que esse sentimento
ficou em segredo. Então um arrepio percorreria minha pele e me bateria uma
nostalgia de tudo aquilo que quase vivi. Um final perfeito para um conto, na
minha opinião. Mas a verdade é que a história, no mundo real, continuou. No dia
seguinte nos falamos novamente, combinamos de ir ao cinema e, no terceiro dia,
eu a pedi em namoro. Hoje estamos casados e deste amor surgiu um fruto
maravilhoso, tão bagunçado e amoroso quando aquele primeiro encontro, chamado
Tiago. A beleza da vida, do dia-a-dia, ainda é muito maior e mais sublime do que aquela que
encontramos nos livros.
"É muito mais difícil falar diretamente, olho no olho, com apenas uma mesa entre os dois, do que através de um computador. As palavras não fluem. Quando você fala, não tem como voltar atrás."
ResponderExcluirMe identifiquei c:
Que bom que, além da história escrita, a história da vida real prosseguiu; parabéns por ter dado continuidade a este amor e pelo complemento da família, com a chegada do Tiago!!!
ResponderExcluirPrimeiro que leio. Com toda certeza vou ler mais!
ResponderExcluir"A beleza da vida, do dia-a-dia, ainda é muito maior e mais sublime do que aquela que encontramos nos livros". Rapaz...
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ResponderExcluirQue história linda!
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