Finalmente
havia chegado a sexta-feira, dia ir até a biblioteca trocar livros. Gabriel depositou
os exemplares em uma sacola, e olhou no espelho. Usava um boné preto, que
ajudava como disfarce. O caminho era longo, e ele não queria o risco de ser
reconhecido pelos garotos da escola.
Tinha
desenhado um mapa no caderno, com o trajeto mais rápido. Isso incluía
atravessar um terreno baldio e pular um muro, o que ainda era menos arriscado
do que encontrar algum dos membros da gangue pela rua.
Ele
avisou a mãe onde ia e deu início à aventura, sempre olhando em todas as
direções para não ter qualquer surpresa. Protegeria a sacola com a própria
vida, se fosse necessário. Corria se não via ninguém. Disfarçava e andava
normalmente quando encontrava outro pedestre.
Aquele
caminho tinha vários marcos, que Gabriel classificava como missões cumpridas
assim que os atingia: o primeiro era o parque infantil com seus brinquedos
enferrujados e quase sempre deserto. Alguns quarteirões à frente tinha o velho
convento, que naquele tempo funcionava como colégio. O ponto seguinte era o
monumento com o busto de um soldado que morreu na guerra. Depois havia a
pequena ponte sobre o córrego, e depois o muro, no fim de uma rua sem saída,
que precisava ser pulado. No total havia sete marcos.
Atrás
do muro ficava o terreno baldio, que Gabriel imaginava ser uma floresta
assombrada. A cada um desses marcos vencidos, o menino comemorava. Mas antes
que passasse pela ponte, seu coração quase parou: notou que Jackson e sua turma
estavam na rua, mal-encarados como sempre. Era tarde demais para voltar sem ser
visto, e ainda faltava um longo trecho até seu destino.
Gabriel
desviou os olhos para baixo e continuou seu caminho, torcendo para não ser
visto. Seus pés mal tocavam o chão, tamanha a velocidade com que andava. Tudo o
que ele queria naquela hora era ficar invisível, ou se transformar em alguém
diferente para não ser reconhecido.
“Ei,
olha só quem tá ali”. Eram exatamente as palavras que ele não queria ouvir.
Gabriel olhou com o canto dos olhos, rezando para que a gangue não estivesse se
referindo a ele, mas viu que os garotos olhavam e vinham rapidamente em sua
direção. Sem tempo para pensar, resolveu correr com todas as suas forças. Passou
voando pelos marcos de número quatro, cinco e seis, sem olhar para trás. Apenas
imaginava os cinco meninos malvados correndo atrás dele, prontos para
machucá-lo e roubar suas coisas.
Ao
pular o muro, arranhou-se como nunca, caindo desajeitadamente do outro lado. Levantou-se
e juntou a sacola como pôde, sem verificar o estado dos livros. Atravessou correndo
a floresta assombrada, e ao sair dela pôde finalmente enxergar a biblioteca.
Estaria seguro lá dentro.
“Veio
correndo hoje, Gabriel?”, perguntou a simpática bibliotecária, que parecia cada
vez mais bonita. Ele queria responder, mas antes olhou pela janela, para checar
se não havia sido seguido até lá. Parecia estar seguro. “Ah, sim, é que eu
queria chegar logo”, respondeu, sem pensar em uma ideia melhor.
Retirou
o conteúdo da sacola, pedindo aos deuses para que estivessem em perfeito
estado. Felizmente, estavam. “Nós
recebemos livros novos esta semana. Acho que você vai gostar”, ela falou, com
sua voz suave. Gabriel havia chegado, de fato, ao reino mais feliz em que
poderia desejar estar. Aquele era seu refúgio contra a realidade. Um território
onde as regras do tempo e do espaço eram suspensas, e em que ele poderia fazer o que a sua imaginação permitisse.
Revivi um momento da minha infância, e olha que lá se vão sessenta e muitos anos, a memória viaja quando provocada. Não sei se acontecido ou se sonhado, a emoção é igual. B
ResponderExcluirelo conto!
L. F. Riesemberg, super parabéns por mais este belo conto como, aliás, já é uma grande característica sua. Sds e abs... (Luiz Antonio)
ResponderExcluirEu ameiii,você viaja lendo (:
ResponderExcluirEu amei o conto, gostaria de saber quem é o autor?
ResponderExcluirBom
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