quarta-feira, julho 26, 2023

A Japonesinha (L.F.Riesemberg)


 Rick não estava muito interessado naquele encontro, mas como há muito tempo não beijava ninguém, resolveu que aproveitaria a chance. Havia conversado muito com ela pelo bate-papo e uma única vez ao telefone. Ela parecia fazer o tipo ingênua e boa-moça, que ria de todas as suas piadas. Fisicamente, a única descrição que tinha dela era a de ser “descendente de orientais”. Não era o que ele queria, mas aceitava.

Encontraram-se na frente do shopping, como era comum. Ela atrasou, pois havia esperado na entrada errada, o que gerou os primeiros risos entre os dois. Decidiram ir a outro local e caminharam alguns quarteirões – em cujo tempo ganharam alguma cumplicidade. No caminho, Rick pensou: Ficarei hoje com ela, mas será a única vez.

Ele nunca havia feito isso. Toda vez que alguém demonstrava interesse, ele se apaixonava. Estava cansado de sofrer. Queria simplesmente curtir, como muitos jovens faziam. Desta vez não se sentiria culpado por não iniciar um relacionamento sério depois de alguns beijos. Queria apenas a diversão daquelas horas e depois dispensaria a moça, por mais que essas palavras não caíssem muito bem.

Compraram os ingressos para o filme que estreara, mas ainda havia uma hora para a sessão. Caminharam lado a lado, pelas lojas de discos, conversando sobre música. Ela sempre sorridente e falante. Havia uma luz especial nela, quase infantil. Ele estava contido, mas apreciando o momento. Sentia como se tivesse levado uma criança para passear. Porém, a intenção de beijar na boca não cessara, e os pequenos esbarrões que davam sem querer na caminhada apenas aumentavam sua vontade.

Era evidente que ela também queria. Às vezes ele a pegava encarando fixamente, por uma fração de segundo, o admirando, mas a timidez os fazia disfarçar. Até que chegou a hora de ver o filme.

Na sala escura, a tensão subiu. O filme era bom, então Rick não quis tirar os olhos da tela. Mas, num ímpeto de audácia, avançou os dedos para a poltrona ao lado e tocou a sua mão. Foi um misto de ingenuidade com o mais alto atrevimento, e aqueles dois quase-estranhos passaram a hora seguinte de mãos dadas, como se fossem um casal.

Ao fim da exibição, veio a dúvida: seguiriam segurando a mão um do outro? Ou se largariam e agiriam como se nada tivesse acontecido? Quando as luzes acenderam e era hora de levantar, ela olhou para ele e ficou novamente encarando, desta vez sem desviar, dizendo muito com aqueles olhinhos puxados. Ele, compreendendo, avançou a boca para a dela e deram ali seu primeiro beijo.

Foram segundos mágicos, como sempre é o primeiro beijo em alguém. Quando terminou, já eram pessoas diferentes, quase como uma só. Saíram do cinema caminhando de mãos dadas da maneira mais natural possível.

O resto da tarde foi de muitos beijos. Entre um e outro havia aquelas conversas triviais que os animavam. Uma delas sobre cachorros. Descobriram que ambos tinham cães da mesma raça: Akita. Assim, a tarde se esvaiu muito rápido, e chegou a hora da despedida.

Diante da estação, abraçados, a noite começava a cair. Quando a condução dela estava chegando, ele perguntou se ela havia gostado do dia. “Muito”, respondeu. “Hoje foi muito especial”. E aquelas palavras tinham um sabor agridoce, pois ele sabia que aquilo nunca mais se repetiria.

Ele chegou em casa satisfeito e pronto para a próxima. Aquela japonesinha ficaria guardada na sua memória, mas nunca a procuraria novamente. Ela ligou dias depois, desejando um novo encontro, mas ele disse que não podia ir, e assim perderam contato.

Passaram-se mais de vinte anos daquele dia. Rick pensa em sua vida, e acha que, se tivesse ficado com aquela jovem simpática e ingênua, iluminada, que estava realmente interessada nele, muitas das suas decepções atuais teriam sido evitadas. Como seria sua vida se tivessem casado? Onde estará a japonesa hoje? Infelizmente não há nenhuma pista para procurá-la, e mesmo que houvesse, hoje ela não seria mais aquela moça graciosa, como eu não sou aquele jovem e impetuoso Rick. Eu não construí nada do que me orgulhe e, por isso minha luz se apagou. Estou envelhecido e morrendo...

Ainda bem que possuo, ao menos, a lembrança daquele dia feliz, em que fui amado por uma jovenzinha de olhos puxados chamada Luciane. É o que me resta: todos os dias fecho os olhos e me transporto para aquela tarde. Foi um dia quase banal, mas que hoje tem um gosto muito diferente.

Obrigado por este presente. Desculpa por ter estragado tudo. Espero, com minhas últimas forças, que a sua luz continue brilhando.

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