O cartaz dizia: "Convenção de Cosplayers". Assim como as crianças, os adultos também estavam caracterizados como seus personagens favoritos. Era o concurso anual, e eu queria muito exibir minha nova fantasia, feita a mãos, para impressionar os outros concorrentes.
Naquela edição do evento havia
alguns participantes muito bons, que não deixavam nada a desejar aos originais.
Era como se eu estivesse dentro de um filme, rodeado por muitos super-herois e vilões.
E oculto pela vestimenta e a maquiagem, eu sentia-me livre da habitual
timidez, conseguindo conversar com estranhos de quem habitualmente não me
aproximaria.
Alguns dos presentes eram
figuras conhecidas minhas, de outras convenções. Mesmo sob volumosos trajes e acessórios, eu
reconhecia alguns que, como eu, gostavam de incorporar um personagem diferente a
cada reunião. Porém, naquele dia houve um que me impressionara, e que eu nunca havia visto por
ali.
Tratava-se de conhecido monstro
dos filmes de terror, que usava chapéu, possuía garras de metal na mão direita
e – o mais impressionante – toda a pele coberta por queimaduras. Eu já havia
visto tentativas de recriação daquele personagem, mas nunca ninguém tinha
conseguido com tamanha perfeição.
-Amigo, tenho que te dar os
parabéns! – falei a ele, ao me aproximar.
Conferindo mais de perto os
detalhes, era visível o apuro que o colega havia dispensado na elaboração da
fantasia. A maquiagem, provavelmente de látex, era muito realista, e os
adereços bastante parecidos com os utilizados no filme.
-Obrigado. A sua também ficou
incrível – disse ele. Sua voz indicava alguém um pouco mais velho, o que era
raro naquele tipo de recreação, dominada pelos jovens, o que me admirou ainda
mais.
-É a primeira vez que te vejo
aqui. Qual o seu nome? – perguntei, depois de me apresentar.
-Freddy.
Não entendi se ele estava
dando o nome real ou o fictício. Nesse momento fiquei um pouco constrangido,
pois senti que eu estava estragando o clima ao perguntar sobre a pessoa real debaixo
da máscara. O maior prazer dos imitadores era justamente viver uma vida diferente
naqueles momentos. Então desconversei, fiz mais um elogio e me distanciei,
ainda curioso para saber como ele fizera aquela fantasia ficar tão perfeita.
Só fui vê-lo novamente na hora
da premiação, no palco, onde injustamente ele recebeu apenas uma menção
honrosa, ficando atrás de mim na classificação.
-Parabéns! – disse ele, ao me
reencontrar.
-Você merecia vencer! – falei,
sinceramente, e nos despedimos, sem que eu entrasse mais em sua privacidade.
Provavelmente nos veríamos no ano seguinte, naquele mesmo local.
Tempos depois, quando eu já
pensava na minha futura fantasia, voltei a encontrar Freddy. Avistei-o dentro de um ônibus, e
ele estava caracterizado como no evento. Na verdade apenas parcialmente caracterizado,
pois não poderia andar por aí com as garras afiadas na mão. Mas de resto,
estava tudo nele: a maquiagem, o chapéu e a característica blusa com listras verdes
e vermelhas.
Tentei lembrar se havia alguma
convenção na cidade marcada para aquela data, decidindo se eu deveria ou não me aproximar dele para
conversar. Porém, logo vi que eu tinha perdido a chance, assim que ele se levantou
e desceu no ponto seguinte. E pela janela observei, impressionado, que ele caminhava
justamente para um grande hospital, conhecido pelo tratamento de pessoas queimadas.
Foi bem mais tarde que
descobri: aquele pobre homem estava indo em sua consulta mensal. Ele havia
encontrado, na fantasia de monstro do cinema, um modo de poder sair na rua sem ser evitado, e
sim admirado, pelas terríveis cicatrizes - reais - que cobriam todo o seu corpo.
Muito bom!! Parabéns!
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