Do alto de sua janela, Péricles
viu quando os novos vizinhos chegaram. Ficou atento ao carro estacionando, querendo
descobrir se havia crianças. Para sua infelicidade, um menino de uns sete anos pulou
do banco de trás.
-Mas que droga! Não pode ser...
Péricles tinha dez anos, e não
suportava crianças mais jovens na casa ao lado. Se fosse um garoto da sua idade
ou mais velho, eles poderiam ser amigos e fazer muitas coisas juntos. Mas alguém
mais novo só traria problemas: ele teria que tomar conta do garoto, talvez emprestar
seus brinquedos, essas coisas. Antes que isso acontecesse, era preciso mostrar ao
moleque quem é que mandava naquela rua, e torcer para que aquela família fosse
logo embora dali.
Naturalmente, os pais dos dois se
conheceram e forçaram uma amizade entre os filhos. Nicholas era o nome do
pirralho. Mas Péricles tinha um plano para afastar o intruso.
-Existe um ritual quando se vem
morar nesta vizinhança – disse Péricles. Os dois brincavam juntos na calçada, por
pressão dos pais.
-Antes de eu te apresentar para a
turma, você precisa ir até a casa do senhor Alípio, aquela grande da esquina, e
trazer uma orquídea roxa.
-Eu não posso simplesmente pedir
para ele? – perguntou o garotinho, inocentemente.
-Não! A primeira regra da gangue
da rua 8 é: não falar a nenhum adulto sobre a gangue da rua 8. A sua tarefa inclui
ir escondido, pular a cerca e voltar correndo com a flor. Faça isso e você vai
merecer entrar para o bando.
Nicholas, apesar do medo, entrou
às escondidas na casa do velho. Enquanto isso, Péricles voltou para casa e
esperou o circo pegar fogo.
Mais tarde ficou sabendo que o velho
mal humorado havia surpreendido o filho dos vizinhos novos invadindo sua casa. No
mínimo, Nicholas tinha levado um grande sermão do velho e recebido um castigo
dos pais.
Somente dias depois é que
Péricles reencontrou o garoto.
-Eu não consegui trazer toda a
flor, mas olha o que eu peguei.
Ele tinha uma pétala roxa na mão.
-E não contei para ninguém que só
fui lá por causa do ritual. Agora eu já faço parte da turma?
-Ainda não – disse Péricles. –Como
você não trouxe a flor inteira, não concluiu sua missão. Mas você terá outra
tarefa.
Desta vez, Nicholas teria que
apertar a campainha de todas as casas do quarteirão, sem ser pego. Só assim ele
entraria para a gangue.
Missão aceita, o garoto usou toda
a força das pernas para correr depois de fazer tocar cada campainha da
vizinhança. Foi visto depois de tocar na terceira casa, o que rapidamente
originou um telefonema irado aos seus pais.
Após mais um castigo, Nicholas queria
conhecer o resto da gangue.
-Nada feito. Você não completou a
missão. Assim, não poderá andar conosco!
Péricles deu-se por vencido
quando viu o garotinho voltando para casa de cabeça baixa. Nos dias seguintes,
percebeu que ele ficava brincando sozinho no quintal. Péricles considerou o
plano um sucesso, principalmente porque seus pais haviam parado de forçar a
barra para que fizesse amizade com o vizinho, já que o garoto era “muito
encrenqueiro”.
Certo dia, depois de semanas sem
saber do garoto, a campainha tocou. Era Nicholas.
-Oi, Péricles. Eu vim me
despedir. Meus pais vão embora.
O menino pequeno não demonstrava
estar feliz, mas parecia acostumado a se mudar. Péricles, com um nó na
garganta, perguntou:
-Mas, você vai mesmo embora?
-Sim, amanhã.
Naquela hora Nicholas parecia tão
pequeno e frágil. Péricles notou estranhamente que, apesar daquele ser o auge
do seu plano, não estava contente. Vendo os olhinhos do menino, teve vontade de
abraçá-lo, de dizer que sentia muito e de pedir para que ele não fosse embora. Foi
difícil, mas conseguiu falar:
-Tá bom, amigo.
Do alto de sua janela, Péricles viu
quando o carro dos vizinhos foi embora e trocou um último olhar com o menininho
no banco de trás. Aquele era o triste fim da gangue da rua 8.
Emocionante! Lembrei da molecada da Rua X. Lembro de sair pela primeira vez do novo lar de minha família. Ao lado da nossa casa tinha um terreno baldio. Lá estava brincando um garoto da minha idade, sozinho. Mozart era o seu nome do nosso vizinho. O primeiro de uma série de amigos de infância que nunca esquecerei. Quantas histórias! Obrigado me ajudar a resgatar essas lembranças.
ResponderExcluirAdorei o comentário, Carlos!
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