Ronald entrou na empresa e foi logo
atendido.
-Então o senhor quer tirar umas
férias diferentes?
-É, ouvi falar sobre essas
viagens que vocês fazem, e fiquei interessado. Isso é possível mesmo?
Ele havia visto anúncios em que se
prometiam levar ao mundo dos livros para viver a trama como se fosse um dos
personagens.
-O senhor pode escolher entre
mais de duzentos títulos, ou ainda misturar alguns.
-E é seguro? Pelo que entendi, eu
fico sedado.
-O procedimento inclui passar
algumas horas em uma câmara especial, sob o efeito de certos anestésicos. É
assim que as memórias são implantadas. Mas garantimos que elas serão melhores e
mais vívidas do que suas recordações reais.
Era um investimento pesado, mas Ronald
acabou fechando um pacote para entrar em dois de seus livros favoritos: A Ilha
do Tesouro e Moby Dick. Largaria um pouco de sua rotina para viver aventuras entre
piratas e baleias.
Deitado na câmara e de olhos
fechados para o mundo real, ele acordou em uma caravela em alto mar. Já iniciava
a odisséia em ritmo frenético, cercado de todas as sensações que os livros
causavam. Ele estava dentro da história, vivendo em outra época, cercado por
todos os personagens daqueles livros que amava. Em seu sonho foram vários meses
de conflitos e esperanças, apesar de terem se passado somente oito horas no
mundo real.
Depois daquilo, Ronald não
sossegou: queria mais. Porém, o agente precisou desencorajá-lo.
-Desculpe, mas o senhor deve ter
lido as notícias. Estão achando que a imersão não é saudável para a mente, e
provavelmente teremos que fechar as portas.
-Não aceito! – insistiu Ronald.
–Estou pagando, e quero ir novamente!
Ele comprou um pacote especial,
com trechos de várias outras obras, e entregou-se ao universo daqueles livros.
Deitou, fechou os olhos e foi
acordar na terra mágica de Oz, onde conheceu o homem de lata e o leão covarde.
De repente ouviu tiros, e descobriu-se nas páginas de Guerra e Paz.
Esquivando-se da mira das carabinas, acidentalmente caiu em um buraco e foi sair
no país das maravilhas. Havia algo errado, pois não havia escolhido aquelas
obras, e tudo estava se passando rápido demais.
Do lado de fora, os técnicos
perceberam o problema, e tentavam reanimar o cliente. Enquanto isso, Ronald se
abrigava em um castelo, que já não era da rainha de copas, e sim do Drácula. Atirado
a um calabouço, ficou lá por muito tempo se alimentando de insetos, até
descobrir que estava na história do conde de Monte Cristo. Ao fugir para o mar,
foi capturado por piratas da Ilha do Tesouro, seus velhos conhecidos. Já tonto
pelas reviravoltas, começou a gritar para que o tirassem de lá. Não queria cair
dentro de um livro perigoso demais.
No mundo real, ele permanecia
imóvel dentro da câmara, enquanto os agentes percebiam, assustados, que não
conseguiam trazê-lo de volta.
Em sua viagem, Ronald era atacado
por dementadores e perseguido por dinossauros no parque jurássico. Era como se
caísse em uma página diferente de cada livro, e aquilo havia deixado de ser um
sonho para se tornar um pesadelo.
-Consegue saber onde ele está
agora? – disse o gerente da agência, frio, diante do desconfortável quadro.
-Parece que em Farenheit 451,
senhor.
-Este não é aquele em que os
livros são todos incinerados?
No lado de dentro, Ronald sentiu
um calor infernal. Tudo à sua volta estava sendo consumido por labaredas
grandes e insistentes. Estava para ser queimado pela inquisição em Memorial do
Convento, mas acabou sendo salvo por Robin Hood e abandonado em outro lugar.
-Qual o diagnóstico? – perguntou
o gerente para o médico, vendo seu cliente em coma profundo.
-Irreversível, infelizmente.
Do outro lado, Ronald caminhava
sem destino pelas terras devastadas.
Muito bom!
ResponderExcluirIsto sim, é mais do que literatura fantástica; se eu pudesse entrar numa situação dessas, eu gostaria de ir para A Utopia (Thomas Morus); ali sim se vivia o verdadeiro socialismo, com "todos produzindo para todos" e "todos tendo os mesmos bens materiais que todos"!!!
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