domingo, julho 12, 2020

Homens de Verdade Não Choram (L.F.Riesemberg)




Após ter colocado o filho para dormir, o homem chegou na sala e viu a esposa dormindo no sofá, diante do televisor ligado. Pelo costume, ele deveria sentar-se ao lado dela, mas naquela noite fez diferente. Foi até o banheiro e trancou a porta.

Olhou-se no espelho e viu um homem envelhecido, quase totalmente infeliz. A única alegria vinha do filho, que parecia ser a última criatura do mundo a quem sua existência fazia alguma diferença. Marcos não tinha nenhum outro orgulho na vida, exceto o de ser pai.

Suspirou, arrependido da maioria de suas decisões ao longo das décadas. Chegava a um ponto em que não restavam muitas alternativas, e era duro ter que encarar aquela realidade. “O que você fez com todo aquele potencial?”, perguntou ao seu reflexo. O estrondo de uma batida na porta parecia trazer uma resposta, mas era apenas a esposa reclamando sua ausência. “O que você tá fazendo aí dentro?”, ela perguntou.

Marcos saiu e tentou justificar-se. “Vi que você já estava dormindo, por isso não me sentei ao seu lado hoje”. Ela parecia desconfiada. “É claro! Estou cansada porque trabalhei muito. E hoje você demorou mais para fazê-lo dormir. Por quê?”.

Ela não tinha interesse pelos monstros em que o filho acreditava, e não queria que isso fosse incentivado nele. Marcos teve que inventar outra desculpa para não irritar a esposa. “Ele estava um pouco agitado hoje, só isso”. Ela era muito prática, e não queria que o filho tivesse qualquer ímpeto artístico, como o pai.

“Bem, eu vou dormir, porque amanhã saio cedo”, disse ela. Marcos sentia o ressentimento nas palavras dela, por ter um marido que não contribuía financeiramente no lar. “Eu também vou indo”, ele respondeu, mesmo estando sem sono. Sua esperança era que ela dissesse: “Tudo bem, pode ficar aí e assistir alguma coisa na TV”, mas ela apenas perguntou: “E aquele emprego que você foi ver semana passada, não deu em nada?”.

Marcos estava há meses em casa, e sentia-se bem fazendo as atividades domésticas, cuidando da educação do filho e, nas horas vagas, escrevendo sobre monstros. Contudo, as cobranças da esposa sempre o lembravam de que aquela situação não poderia continuar. Ele tinha que arrumar um emprego que não lhe desse nenhuma alegria mas que pagasse um salário.

“Eu vou arranjar alguma coisa logo, prometo”, disse, enquanto ela se afastava sem prestar atenção. Marcos sentou-se no sofá e lembrou a conversa que teve com o filho, na qual ele confessava estar sofrendo nas mãos de colegas. Na sua época não existia a palavra bullying, o que era muito pior. Ficou lembrando das humilhações, dos xingamentos e das feridas que o bombardeavam na infância.

“Vai contar pra sua mãezinha, seu palerma?”, gritava aquele menino bronco, depois de estapeá-lo no rosto e rasgar seu gibi. "Palerma! Palerma!". Marcos nunca esqueceu as provocações, as ameaças e os risos. Eram crianças, mas naquele tempo, para ele, eram demônios.

“Ele não é de nada mesmo”, zombavam os outros meninos, enquanto Marcos engolia o choro. Foi assim há trinta anos, e continuava sendo. A vida sempre o sufocava, fosse através de uma gangue de garotos malvados, de um chefe injusto ou de uma esposa autoritária. Uma lágrima escorreu, mas Marcos a enxugou. O melhor era pensar em alguma lembrança feliz, antes que a mulher o visse daquele jeito. Senão, ela o chamaria mais uma vez de fraco e patético, já que homens de verdade não choram.

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