segunda-feira, maio 16, 2016

As Sessões (L.F.Riesemberg)


Durante muito tempo, quando interrogado sobre qual seu ídolo no cinema, Jorge respondia com tranquilidade: Ricardo Darin. E sempre ouvia, paciente, que nunca se ouvira falar naquele nome. Nunca ninguém assistia a filmes argentinos.

Foi, portanto, com surpresa que ele escutou, da senhora Amélia, que O Filho da Noiva seria exibido em uma sessão especial, à meia-noite, em uma sala alternativa da cidade. Não deixou para depois e entrou na conversa alheia, reafirmando seu amor pelo ator argentino, querendo saber mais detalhes sobre a exibição.

“Finalmente um jovem com bom gosto”, exclamou a viúva. Ela tinha seus oitenta anos, mas o jovial sorriso e o brilho dos olhos a conservavam com uma beleza discreta. Combinaram de ir juntos. Seria a primeira vez que Jorge veria aquele filme em tela grande. Já Amélia havia tido tal oportunidade à época do lançamento, mas não a de desfrutar o momento com companhia tão agradável, segundo suas próprias palavras.

Antes da sessão começar, o assunto era, naturalmente, os filmes do artista que tanto amavam. Só não decidiram qual era o melhor. Para Jorge, O Segredo dos Seus Olhos. Para Amélia, O Mesmo Amor, A Mesma Chuva. Mas ambos concordavam que, o que mais agradava, era a mensagem que aquelas histórias deixavam, de que a vida tem complicações, mas não devemos deixar a ternura de lado. “Olhe, Jorge, o filme já vai começar”.

No escuro da sessão, assim como os outros poucos espectadores, ambos riram e deixaram rolar lágrimas diante da comovente beleza cotidiana daquelas cenas. Reconheciam-se ali, representados por um ator que falava por eles. E Jorge percebeu que, estranhamente, amava aquela mulher sentada ao seu lado.

Quando os créditos subiram e a luz se acendeu, ele voltou à realidade ao fitar a mão de sua companheira no apoio da poltrona, cujas marcas denunciavam o tempo que lhes separava. Caminharam longamente em silêncio e então despediram-se, até que Jorge, inspirado pelo personagem do filme, venceu seus receios e convidou-a para assistir a mais um, na sua casa ou na dela, em data próxima.

Sozinha, de certo modo abandonada pelos familiares vivos, Amélia sorriu e aceitou o convite. O encontro concretizou-se dali a dias, na residência da senhora, com a exibição de O Clube da Lua, que ele levara em disco.

Lado a lado no sofá, o casal exalava um sentimento que não era correspondido por palavras ou olhares, mas sim pelos sorrisos e suspiros que soltavam, em uníssono, no decorrer do filme. Mais uma vez, para Jorge, aqueles cento e vinte minutos à meia luz assinalavam uma comunhão de almas, sobre a qual não se ousaria falar, sob pena de se quebrar o encanto. 

Passaram a se encontrar durante todas as noites de sexta, para a cada vez ver um filme diferente do adorado ator argentino. E durava aquele amor platônico enquanto durasse a película. Nada precisava ser dito. A emoção quase silenciosa daquelas sessões dizia mais do que qualquer palavra seria capaz. E assim passaram as sextas, até que o último filme foi visto.

“Jorge, quero dizer que esses momentos que passamos juntos foram muito especiais”, disse ela, antes de se despedir. “Saiba que, por causa dos nossos encontros, eu devo ter prolongado um pouco os meus dias”.

“Que isso, dona Amélia. A senhora vai viver muito ainda. Para podermos assistir aos novos filmes do Ricardo Darin”, disse ele, emocionado. E, sem saber mais o que falar, recebeu de presente o colar que ela tirou do pescoço. “Para você não esquecer de mim”.

Por muito tempo o rapaz ficou olhando a foto de Amélia jovem, dentro do pingente. Ainda mais depois que soube que ela havia partido, serenamente durante o sono, em uma fria noite de inverno.

Com uma saudade aniquiladora, o rapaz assistia solitariamente aos mesmos filmes, sem nunca achar outro alguém para compartilhar os risos e os choros daquelas cenas.

Porém, ao saber que o novo filme do ator em breve estrearia na Argentina, fez aquilo que o coração mandou: juntou as economias e foi para lá, assistir à première. Se o espírito da amada pudesse escolher aonde ir, certamente era lá que se encontraria.

Já sentado na primeira fila, aguardando o início do filme, Jorge ouve uma voz masculina pedir licença para sentar-se ao seu lado. Reconhece-a, não sabe de onde, e olha, com o canto dos seus olhos. Impossível acreditar em melhor sorte. Era ele mesmo, simpaticíssimo, em carne e osso, Ricardo Darin, pronto para assistir a si mesmo na tela. “Muito, muito obrigado por tudo”, foi o que Jorge pensou em dizer a ele, mas as luzes já estavam apagando. “O que eu não daria para Amélia estar aqui comigo!”.

E, na poltrona do outro lado, uma bela jovem sorriu docemente. “Olhe, Jorge, o filme já vai começar”.

6 comentários:

  1. Adorei! Também sou fã do ator Ricardo Darin e achei genial a história. Parabéns

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  2. Simplesmente magnífico este conto, L.F. Riesemberg. Parabéns pela excelente estória!!!

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  3. Simplesmente magnífico este conto! Parabéns por mais esta linda estória, L.F. Riesemberg!!!

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  4. Sensacional, simplesmente fantástico. Estou viciado é o terceiro que leio hoje.

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