O senhor Pritchard deitou na
cama, de barriga para cima, e cobriu-se até o pescoço com um fino acolchoado. Fechou
os olhos, esperando o sono, quando foi surpreendido por dolorosa fisgada na
pele da nádega. Recordou-se, imóvel e em silencioso desespero, do panfleto que
lera sobre a incidência de escorpiões naquela região.
A recomendação era manter-se
calmo e procurar ajuda médica o mais rápido possível. Antes de tudo buscou
prestar atenção aos sinais do corpo, e notou o início de leve taquicardia e
dificuldade para respirar. Era preciso agir logo.
O celular estava no criado
mudo, e assim que virou-se para apanhá-lo, percebeu que apenas seus olhos se mexeram.
Todo o corpo estava amortecido, sem movimentos.
Sentia-se mais ou menos como quando
experimentou a infame paralisia do sono, e revivia aquele pesadelo, agora
aumentado pelo fato de haver uma dose de veneno no sangue.
Pensou nas alternativas que
lhe restavam, e concluiu que a morte por falência de algum órgão vital era
inevitável, a não ser que conseguisse mover a mão até o celular e chamar alguém.
Concentrou-se, tentando
superar a dolorosa mortificação dos membros, e depois de muito tempo conseguiu
esticar o dedo mínimo. A paciência, apesar do desespero, fez com que em alguns instantes
já conseguisse levantar toda a mão, o que se seguiu a uma rudimentar elevação
do braço.
Da fronte brotava suor, e com
bastante esforço o homem conseguiu derrubar a mão sobre o celular. Quase vencera
o formigamento local, mas imaginando que o escorpião provavelmente ainda se
encontrava dentro do pijama, evitou qualquer movimento desnecessário, para não tomar
outra picada.
Sem poder olhar para a tela do
aparelho, seguiu tateando-o intuitivamente, tentando ligar o viva voz e discar
automaticamente para algum número gravado nos contatos.
“Alô”, disse uma voz masculina
do outro lado da linha. Como que amarrado à cama, o senhor Pritchard conseguiu entonar
apenas um murmúrio. “Alô, senhor Pritchard? Algum problema?”. Agora reconhecia
a voz. Havia ligado para um cliente, com quem por último havia conversado
naquele telefone, na tarde anterior.
Entre gaguejos e soluços,
pronunciou lentamente o endereço, seguido de um alarmante “socorro, escorpião,
médico”. O cliente poderia não estar mais ouvindo, mas depois de um longo
segundo de silêncio, respondeu: “Tudo bem, senhor Pritchard, eu anotei o
endereço, e vou logo aí com ajuda”.
Trinta minutos depois, a porta
do quarto era arrombada e chegavam dois sujeitos. Um deles era o senhor Melvin,
o cliente com quem Pritchard havia conseguido falar. Atrás dele apareceu um
rapaz de estatura média e pele escura, carregando uma maleta de couro.
“Senhor Pritchard, este é o
doutor Hernández, médico. Consegui trazê-lo aqui, como o senhor solicitou, sem
saber explicar-lhe muito bem o que aconteceu”.
Neste ponto, a vítima do
escorpião já conseguia falar melhor, apesar de continuar deitada e manter a
imobilidade quase total do corpo. Em seus olhos estava registrado o medo da
morte sobre aquela cama.
“Ele me pegou lá embaixo”,
falou, mostrando com os olhos. “Sinto tudo girar”.
O jovem médico pediu licença e
descobriu o homem, virando-o de lado com a ajuda do outro. Ao abaixarem a calça
do pijama, verificaram algo incomum e trocaram olhares, antes da emissão de
qualquer conclusão apressada.
“Senhor Pritchard, o senhor
viu o escorpião?”
“Não, estava escuro. Mas a
esta hora ele já deve estar longe”, falou, tendo seus membros massageados pelo
médico para recuperar os movimentos.
O médico, mantendo-se sério, voltou
a olhar para o senhor Melvin, e este não segurou o riso.
Pritchard, o que vimos é uma
etiqueta ainda pregada. A cueca é nova?
O médico, mantendo o respeito,
concluiu: “Felizmente não parece haver nenhum sinal de picada em seu corpo,
senhor”.
“O que? Mas e a paralisia?”
“Acontece com algumas pessoas
em casos de estresse elevado. Mas parece que o efeito já passou. Consegue se
levantar?”
Pritchard sentou-se na cama, confuso,
e Melvin aproveitou para quebrar o gelo. “Que cueca perigosa, hein?”
Mostrando-se contrariado,
Pritchard levantou-se com violência, constatando o fim da imobilidade, e antes de
aturar outra gozação, fechou o rosto, duro como uma rocha.
“Pois eu ainda creio ter sido
picado por alguma coisa. Talvez não um escorpião, mas tenho certeza que não foi
só a etiqueta”. E, encaminhando os dois para fora, falou ao cliente em um tom
baixo, porém audível: “Onde foi que encontrou isso? Esses médicos estrangeiros são
uns parasitas que não entendem droga nenhuma. Me trouxesse um bom, se queria
ajudar!”.
Fechou a porta e ficou
sozinho, cheio de seu próprio veneno.
Hahaha excelente!
ResponderExcluirHahaha excelente!
ResponderExcluirDidaticamente um conto só deve ter um tom. Você conduziu o tom fantástico com maestria até 3/4 da história para no quarto final pular para o tom cômico. Parabéns.
ResponderExcluirTambém achei excelente!
ResponderExcluirAinda que aqui tenha sido utilizado um conto fantástico, em muitas vezes o ser humano fica muito paralisado pelos próprios sentimentos ruins, adversos, que só fazem mal ao próprio corpo e, o que é pior, a própria alma, deixando-se levar por ações danosas a sí próprio e ao seu semelhante!
ResponderExcluirGostei, fui trolado. Kkkkk
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