Eu sabia que havia muitas coisas
estranhas acontecendo. Porém, como eu era criança, quase tudo o que os adultos
faziam era estranho. Mas tudo se explicou no dia em que o tio Valdemar marcou
uma reunião de família e fez a revelação mais surpreendente que eu podia
imaginar: ele era um lobisomem.
Alguns familiares não faziam
ideia, enquanto outros já desconfiavam. Uns, quando souberam, ficaram irados. Outros,
contentes. Eu não sabia exatamente o que aquilo significava, então fiz algumas
perguntas, do meu jeito, e ele educadamente me respondeu.
De acordo com meu tio, sempre
existiram lobisomens. Nenhuma família estava livre de ter algum. E durante
séculos eles tiveram que se esconder, pois todos eram perseguidos e mortos.
Contavam-se histórias terríveis sobre eles para assustar as crianças, e assim
elas já cresciam odiando uma raça que sequer conheciam.
E o que um lobisomem faz? –
perguntei.
Ele gentilmente me explicou que,
em toda sexta-feira de lua cheia, transformava-se em lobo e tinha que ir à
floresta para caçar e passar um tempo com os outros da espécie. Somente na
manhã seguinte é que voltava ao normal. Poderia viver normalmente desse jeito,
mas o problema era que as pessoas consideradas normais não os aceitavam. Era
preciso manter tudo em segredo, diante do risco de ser morto.
-E por que resolveu contar isso
agora, tio?
-Ah, são os novos tempos – disse
ele, encarando toda a família. Muitos estavam claramente contrariados, sem
querer acreditar no que ele contava, fazendo cara de nojo diante de cada frase.
-Por muito tempo nós vivemos nas
sombras, com medo, mas aos poucos essa realidade está mudando. Eu sonho com uma
época em que lobisomens e não-lobisomens caminhem juntos, sem receio, sem
preconceito, como os irmãos que todos somos.
-Mas se tanta gente ainda não
aceita, não é perigoso assumir desse jeito, tio?
-Oh, sim, querido – disse ele, passando
a mão nos meus cabelos. – Mas em cada época há que se conviver com uma
realidade. Já houve um tempo bem mais difícil, e hoje as coisas estão
melhorando para nós. Creio que haverá muitas brigas ainda, mesmo aqui entre
nossa família, até todos me aceitarem como eu sou. Porém, eu preciso passar por
isso se quiser sonhar com um futuro melhor para a minha raça. Afinal, os seus filhos
poderão ser lobisomens, sabiam?
Fiquei tentado a perguntar sobre
quando o tio Valdemar descobriu que era um, mas meu pai já estava irritado com
minhas perguntas, querendo me tirar dali. Eu tinha ouvido que os sinais
apareciam na adolescência, o que significava que eu mesmo ainda poderia vir a me
tornar um, e todos sabiam que havia essa possibilidade, mas por educação meu
tio sequer fez menção a isso.
Terminada a reunião, podia-se
notar que os parentes estavam divididos entre aqueles que parabenizaram a
decisão do meu tio em se assumir como lobisomem, e aqueles que não queriam nem
olhá-lo mais na cara.
-Tudo bem, querido – disse ele,
percebendo que meu pai não me queria muito perto dele. –Eu já esperava por
isso, e vai ser assim por um tempo ainda.
-Mas tio, o senhor simplesmente
nasceu assim. Por que tem que sofrer desse jeito? Por que as pessoas não o
aceitam, só por que de vez em quando o senhor fica peludo e sai uivar para a
lua? Deve ser legal fazer isso.
Quando todos já haviam se
dispersado e eu consegui ficar por um minuto sozinho com ele, ele me disse
ainda:
-Querido, ainda há muitas coisas
que vão aparecer no decorrer da sua vida. Você sabia que existem vampiros? E gigantes?
E centauros? E também sereias e homens-peixe? Eles estão todos por aí,
escondidos, só esperando o momento certo de se revelarem. Alguns estão fazendo
como eu, assumindo-se para a família, que são as pessoas que primeiro deveriam
apoiá-los. E aos poucos eles vão voltar à luz do sol. Até o dia em que você seja
um adulto, eu espero que todas essas criaturas possam andar tranquilamente pelas
ruas, assumindo-se como realmente são.
E então eu dei um abraço apertado
nele como nunca havia feito, pois eu estava muito feliz em poder dizer para
todos os meus amigos que meu tio era um lobisomem.
Muito bom! A história aborda uma questão atual de maneira muito pertinente! Para quem não entendeu, os lobisomens nessa história são uma metáfora da homossexualidade.
ResponderExcluirNão apenas da homossexualidade, eu diria, mas de toda forma de "diferenças".
ResponderExcluirMuito bom gostei ✌
ResponderExcluirGostei muito bom.✌
ResponderExcluirMuito bom gostei ✌
ResponderExcluirParabéns, L.F. Riesemberg, por mais este belo conto. Eu, particularmente, ainda que a metáfora esteja bem explícita, acharia muito mais romântico em que histórias como estas ficassem apenas e tão somente na fantasia!!!
ResponderExcluir