quarta-feira, junho 17, 2015

A Viagem de Celeste (L.F.Riesemberg)




 O avião cortou o céu, traçando um risco branco no imenso quadro azul. Aqui embaixo, em uma rua qualquer, Celestinha olhou para o alto e enxugou o suor. Ela ia de casa em casa entregando panfletos de uma loja, mas parou para contemplar a linda aeronave que rugia sob os raios dourados do Sol.
Terminado o trabalho, a garota foi receber o pagamento. Desceu a ladeira admirando o traço de fumaça que permanecia no céu. Os pés, dentro dos sapatos frouxos e gastos, pisavam firmes no chão, como os de alguém que cuida para não cair e se machucar mais uma vez.
­−Eu trouxe isto para você – disse o gerente, depois de entregar as moedas pelo trabalho bem feito.
A menina recebeu alegremente um livro todo surrado, com páginas já amarelas. Na capa, um astronauta pilotava um foguete pelo espaço.
No caminho para casa ela folheou atentamente o presente recebido. Depois de ler um pouco, já havia chegado a uma conclusão: quando crescesse, viajaria pelo céu até chegar às estrelas. Seria comandante de uma nave espacial, ou então de um daqueles aviões que deixavam o céu cheio de riscos.
Em casa, ao contar aquele novo sonho aos seus pais, ela reparou que eles se olharam um tanto tristes.
−Boa sorte, minha filha. Com muito estudo e dedicação, você vai chegar aonde quiser – disse o pai.
Celestinha ouviu o conselho e dedicou-se ao máximo, sem deixar de ajudar os pais de todas as formas possíveis. Ela foi crescendo, formou-se, virou professora e passou a ser chamada de Tia Celeste. Porém, os caminhos que ela podia percorrer nunca a levaram ao céu. Ao invés de foguetes ou aviões, usava livros para conduzir seus pequenos passageiros.
Um dia, seus velhos pais tiveram que partir. Sozinha no mundo, não desanimou e passou a trabalhar ainda mais. Na sala de aula, levava as crianças a mundos extremamente distantes, graças ao poder da leitura.
Mas, como acontece a todos, a idade também a atingiu. Quando chegou à aposentadoria, só a chamavam de Dona Celeste, apesar de insistir que não era dona de nada. “Nunca tive filhos e nem ao menos pude andar de avião”, falou quando foi homenageada. “Meus únicos bens são os livros, que me fazem viajar para onde eu quiser, e meus alunos, que alçaram voos tão altos”, concluiu, emocionando a todos.
Em um belo dia de Sol, Dona Celeste lia em sua casa quando notou pela janela um daqueles riscos brancos no céu. Um ruído ensurdecedor atingiu seus ouvidos, e ela interrompeu a leitura para ir lá fora ver o que era. Para seu espanto, um enorme foguete estava pousando no seu quintal.
Maravilhada, ela viu a porta da nave se abrir e um astronauta apareceu. “Bem vinda, comandante”, disse. Ele lhe entregou um capacete espacial e, pelo reflexo, ela percebeu que havia voltado a ser criança.
Mais tarde disseram que Dona Celeste morreu lendo um livro. Mas eu tive a sorte de ser um de seus alunos, e não acredito nisso. Para mim, Celestinha está lá no alto, pilotando uma nave e deixando belos riscos brancos no céu azul.

Um comentário:

  1. Maravilhoso, fantástico, explêndido! Me faltam outros adjetivos para dizer o que achei deste conto. Super parabéns... novamente!!!

    ResponderExcluir