Todos os dias
para ir à escola, Heitor pegava um atalho pelo ferro velho. Ele atravessava o
terreno observando as carcaças, imaginando como eram aqueles carros antes de lá
chegarem.
-Estão mortos –
disse certa vez, quando Jonas o acompanhava.
-Vamos brincar neles!
– falou o amigo.
Nenhuma criança
deveria ficar ali, mas Heitor acabou sendo convencido pelo amigo, e eles ficaram
correndo entre os restos de automóveis. Ele sentia que o que estavam fazendo
era errado, mas não ouviu sua intuição. Depois, tudo aconteceu muito rápido: uma
sombra que mudou de lugar, e então um estrondo. Uma enorme pilha de carros
havia desmoronado sobre o amigo. O desespero bateu quando viu a mão do garoto
esmagada sob toneladas de aço.
Naquele dia
terrível, Jonas perdeu sua mão. Nunca mais poderia segurar nada, nem cumprimentar
ninguém com a mão direita. Para continuar estudando, teria que aprender a ser
canhoto. A vida dele nunca seria a mesma.
Heitor sentia-se
culpado, e não quis mais atravessar o ferro velho. Semanas depois, quando reviu
o amigo, teve vontade de chorar. Faltava um pedaço dele!
E apesar da sua insistência
em não entrarem mais lá, o amigo quis ir pelo caminho do ferro velho.
-Jonas, você não
se sente mal vindo aqui, depois do que te aconteceu?
O menino ficou
sério. Queria contar algo.
-Minha mão se
foi, mas eu ainda a sinto.
-A sente doer? –
perguntou Heitor.
-Às vezes. Mas
agora que voltamos a este lugar, sinto umas vontades estranhas.
-Que vontades,
Jonas?
-De apertar com
força. De dar socos na cara de alguém. E não posso...
-Vamos embora
daqui. Este lugar é ruim.
Heitor apressou
os passos. Ao seu redor, um cemitério de máquinas a céu aberto, com centenas de
faróis o encarando.
-Você disse que
esses carros estavam mortos – disse Jonas.
-E daí?
-E se os
fantasmas deles estiverem aqui?
-O que?
-Talvez o
fantasma dos motoristas que morreram dentro deles.
Heitor mirava o
portão de saída. Sentia-se sufocado lá dentro.
-Devem ter sido
eles que jogaram os carros sobre mim. Foram os espíritos daqui que me
fizeram perder a mão!
-Não diga
bobagem, Jonas.
Agora passavam
exatamente pelo local do acidente. Lá estava o morro desmanchado, e as manchas
de sangue seco.
-Pare aí,
Heitor!
-Não! Vamos
embora!
-Se não foram
fantasmas, então o culpado é você! Quem foi que esbarrou na pilha de carros e a
derrubou?
-Jonas, não foi
de propósito!
O menino estava
transformado. Olhava furiosamente para a mão de Heitor.
-Você me deve!
Eu quero a sua mão para mim!
Heitor, apesar de
assustado, entendeu a raiva do amigo. Ele já tinha pensado que, cedo ou tarde,
aquele momento chegaria, e não pretendia fugir do seu dever.
-Tudo bem, Jonas.
Eu reconheço que sempre terei esta dívida. Pode pedir o que quiser, e eu farei
para você, com a minha mão. Para isso servem os amigos...
Bem interessante
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