Isabel varreu toda a casa, preparou
o almoço, lavou as panelas e foi ler um livro. Este era o seu ritual de todas
as manhãs naquelas férias, e a melhor parte do seu dia.
Logo depois chegava da rua a
madrasta, enorme, de cabelos desgrenhados, respiração ofegante. “Por que ainda
não pendurou a roupa?”, gritou, assim que botou os pés para dentro.
Por mais que Isabel se esforçasse,
sempre haveria alguma coisa que ficava a desejar: “Tem pouco sal na comida!”, “o
café está fraco!”, “não é assim que se lava um banheiro!”.
Depois da morte do pai, a
convivência com a mulher foi se tornando cada vez mais difícil. E todos os dias
a menina se afundava nos livros, procurando fugir da realidade.
Apesar de muito jovem, Isabel
compreendia que a madrasta não era má. Era infeliz, talvez por ter ficado viúva,
criando uma filha que não era dela.
“Vai ficar o dia todo lendo essas
bobagens? Por que não faz alguma coisa útil?”. Isabel, às lágrimas, corria ao
porão, onde não podia ouvir aquelas eternas injúrias.
Foi lá embaixo, entre o pó e as
teias de aranha, que um clarão iluminou tudo ao seu redor. Encantada, viu surgir
em sua frente uma fada madrinha.
-Eu sei que você está apaixonada,
mas não pode sair com o rapaz porque não tem roupa. Eu vim te ajudar!
Isabel ouviu todo o plano, mas
não se animou.
-Desculpe, fada madrinha. Ir a essa
festa com um rapaz não resolveria meus problemas. Mas eu acho que você pode me
ajudar de outro jeito.
A jovem, com toda a bondade no
coração, transferiu seu presente para a pessoa menos provável que alguém faria.
-Você tem certeza? – perguntou a
fada.
-Sim. Ela vai gostar.
-Lembre-se que isso só acontece
uma vez na vida. Não voltaremos a nos encontrar.
E, com alguns passes de mágica, a
fada vestiu a madrasta de Isabel com um lindo traje brilhante, deixou-a mais bonita
que nunca e colocou-a em uma belíssima carruagem, rumo a um palácio encantado.
Isabel ficou feliz pela madrasta,
que teria uma noite especial, e foi ler em sua cama.
Horas depois a carruagem voltava.
A madrasta entrou e Isabel foi recebê-la, ansiosa por ouvir maravilhas. Achou
que encontraria a mais radiante das mulheres, mas deparou-se com a tristeza em
forma de pessoa.
-Por quê, menina? Por quê? –
soluçava, escondendo o rosto entre as mãos.
-O que aconteceu? Não teve uma
noite especial? – perguntou a jovem, assustada.
A madrasta desabou em uma cadeira:
-Oh, sim – disse a mulher, tão sonhadora
e frágil como nunca havia aparentado. –No início foi um sonho... mas então, à
meia noite, tudo começou a desmanchar. Quando percebi, eu estava feia outra
vez, gorda, vestindo os trapos de sempre. A carruagem se transformou em uma carroça
velha. Todos começaram a rir de mim. Você fez isso para se vingar, é?
-O que? Não! Eu nunca...
-Pois trate de ir dormir, menina
– disse a madrasta, enxugando as lágrimas e reassumindo a armadura de sempre. –Amanhã tem muito serviço a ser feito!
Isabel, ferida outra vez, voltou
correndo para o quarto. Agora sofreria pelas duas.
A fada madrinha foi embora
entristecida. “Continue tentando, criança”.
Tsi tsi tsi... muita influência de George Martin. Escreveu depois que viu o final da última temporada de Game of Thrones? ehehhehehe
ResponderExcluirBrincaderia. Muito legal a mudança de paradigma desse conto clássico. Adoro essas coisas. Gosto de pensar que a história não acabou. Afinal, no conto original a garota também fica transtornada até o dia seguinte, quando as coisas se resolvem.
Continue nos brindando com seus contos!