terça-feira, agosto 12, 2014

Receita para a imortalidade (L.F.Riesemberg)



Daniel tinha oito anos. Era uma noite muito quente de verão, quando seu pai o convidou para irem andando até a banca de revistas, comprar sorvete. Foram só os dois pelas ruas, sob as luzes fluorescentes dos postes, ouvindo o cri-cri dos grilos e admirando o grande tapete brilhante que as estrelas formavam no céu. Foram conversando, e para Daniel aquela caminhada noturna era uma aventura.
Ao chegarem à banca, o garoto viu uma imensidão de revistas em quadrinhos. “Quer alguma coisa? Pode escolher”, disse o pai. E isso foi como estar no céu!
Daniel olhou tudo o que estava à venda dentro de potes de vidro: carrinhos, dentaduras de vampiro, paçocas, doces de leite... percorreu a estante dos gibis, das revistas, dos livros chatos de filosofia. Por fim, escolheu um almanaque de palavras cruzadas. O pai pegou um picolé de limão no freezer, e então Daniel mergulhou a cabeça naquela câmara fria cheia de delícias, e lembrou como era a sensação de estar no inverno. Olhou todos os sorvetes e quis um picolé cremoso de coco. O pai pagou tudo ao jornaleiro com cédulas e moedas, guardou o troco no bolso e foram embora, respirando a brisa suave da noite, deliciando-se com seus doces gelados e cumprimentando algumas pessoas que, àquela hora, ainda estavam sentadas em cadeiras nas varandas, olhando a rua com uma limonada nas mãos.
Daniel olhou mais uma vez o céu, e vislumbrou as estrelas.
-Filho, você sabia que algumas delas já não existem, mas estão tão longe que a luz continua chegando até nós? Parando para pensar, elas são imortais. Continuam vivas mesmo depois da morte.
O menino continuou admirando o céu majestoso, sem pensar que as estrelas também o observavam. Para elas, o tempo caminhava diferente, e elas permaneceram lá, enquanto Daniel voltou para casa, dormiu, continuou sua vida e cresceu.
Hoje um adulto, ele não lembra mais daquela noite em que saiu com seu pai. A vida o fez seguir caminhos que não o faziam olhar para o céu, e ele foi esquecendo aquela magia. Tornou-se uma pessoa séria, prática e aborrecida. Não acreditava em nada, até que, numa noite que parecia ser como outra qualquer, ele resolveu sair para respirar ar puro. Era verão, e a agradável brisa bateu em seus cabelos, trazendo o inconfundível perfume das flores e árvores da rua. Olhou para o céu e era uma noite sem luar, daquelas em que se vê milhares de constelações iluminando o espaço.
Sem delongas, aquilo reativou a mesma sensação de quando era um menino, e ele teve uma necessidade imensa de caminhar pela rua até a banca de sua infância, para comprar uma revista de palavras cruzadas e um picolé de coco. E foi o que fez, com passos lentos para aproveitar cada segundo daquele misterioso prazer que estava adormecido há anos.
Um sorriso enorme estampou-se em seu rosto, e ele fez o que queria com uma alegria incomparável. “Puxa, como é bom viver!”, pensou. Veio saboreando o picolé e folheando o almanaque, e sentiu que havia voltado a ser uma criança de oito anos. Refletindo, concluiu que não era tão simples ter aquelas sensações. Seria somente durante algumas noites especiais de verão, mas fazer aquilo ao menos uma vez por ano já seria o suficiente para manter-se jovem para sempre, e consequentemente imortal! “É isso... descobri a receita para a imortalidade!”, gritou no meio da rua, rindo, suspirando, sorrindo mais e mais.
Do alto as estrelas o observavam e, contentes, brilharam ainda mais. “Que bom! Ele está aprendendo...”, elas pensaram.

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