quinta-feira, agosto 14, 2014

O outro lado do túnel (L.F.Riesemberg)




Viajavam lado a lado no assento do trem, embriagados de paixão. Jessica deitou a cabeça no ombro do rapaz, sete anos mais jovem, que se sentiu poderoso por estar ali com uma mulher madura e inteligente. James olhou pela janela e viu as últimas luzes do dia iluminando o horizonte. Ele não tinha sono, e a paisagem prestes a desaparecer na escuridão de um túnel o inspirava a recordar.
Um ano atrás ele era só um universitário empolgado com as descobertas de uma vida quase adulta. Jessica era sua professora, a quem aprendeu a admirar desde a primeira aula. Mas aquelas duas horas por semana diante dela eram pouco. Ele tinha que trocar mais algumas palavras, vez ou outra, quando se cruzavam no corredor. E cada conversa, sobre os estudos ou sobre a vida, era um presente para ele. Não era amor o que sentia. Era mais uma admiração, um querer penetrar a mente do mestre para descobrir mais sobre os mistérios do universo e da alma humana. Foram meses assim, dedicando-se dentro e fora de sala de aula, para ao menos ser por ela lembrado.
Depois de certo tempo, Jessica deu um pequeno sinal de que ele não era só mais um aluno. Era especial. E isso foi o auge da felicidade para aquele rapaz, que nunca imaginou que ela, uma doutora, poderia ter qualquer tipo de interesse por ele - ainda mais por saber que era casada e tinha filhos.  “Será complicado, mas estou disposta a arriscar para ser feliz”, ela disse. Porém, ambos sabiam que não valia a pena jogar tudo para cima. Era necessário ir com cautela, para não chocar ninguém.
Conversavam essas coisas por meios secretos, durante segundos, sempre às vistas dos outros. Amavam-se, mas nunca haviam se tocado. Tinham que arranjar uma forma de ficarem juntos, sem qualquer rosto conhecido por perto, mesmo que por apenas breves momentos. E foi ela quem sugeriu a viagem, que teria que fazer sozinha. Passariam um dia juntos. James, destemido, aceitou de pronto, e algumas semanas depois, embarcaram.
Quando o trem partiu, o casal deixou todas as máscaras e amarras para trás. Na viagem, não precisariam esconder o que sentiam. E, durante toda a noite em que o trem percorreu os trilhos, experimentaram os toques, os beijos, os carinhos apaixonados. Pela manhã, chegando ao destino, Jessica não cumpriu metade dos seus compromissos, preferindo entregar-se ao sonho que vivia com o namorado.
O dia passou veloz. Passearam de mãos dadas, beijaram-se longamente em público, deram vazão aos desejos mais íntimos. Não poderiam fotografar nada, para nunca haver provas daquele segredo, mas queriam que todos os estranhos nas ruas daquela cidade os vissem. Só desviavam os olhares da realidade, que era o que os aguardava quando voltassem.
No início da viagem de retorno veio aquela dor pelo sonho estar terminando. James estava exausto, com um nó na garganta, mas orgulhoso. Sentia-se um homem. Enquanto Jessica dormia encostada em seu ombro, o trem entrou no túnel e tudo escureceu. Quando saíssem do outro lado, a tarde teria sido substituída pela noite. Ele afagou os cabelos dela e sentiu o seu perfume. Pensou que, na próxima vez em que estivessem com o sol os iluminando, teriam que fingir serem desconhecidos. O marido a estaria esperando na estação com os filhos e, por isso, o desejo de James era de que aquele túnel não tivesse mais fim. Fechou os olhos e abraçou-a com todas as forças. Queria parar o tempo para manterem-se ali, sempre unidos, sem um amanhã para separá-los. Concentrou-se, pedindo para que o outro dia nunca surgisse. Exigiu que, ao fim daquele túnel, o dia que estavam vivendo continuasse, eternamente. E foi nesse instante que aquele mundo entrou em colapso. Ouviu-se um estrondo, seguido por gritos e explosões. Não se via nada na escuridão, e James quis proteger a namorada. “Calma”, ele pensou, procurando manter-se equilibrado no assento. “Tudo vai acabar bem”. E, quando os violentos solavancos terminaram, ele abriu os olhos e reparou que já haviam saído do túnel. O trem foi diminuindo a velocidade, até parar.
-Já chegamos? – ela perguntou, acordando. –Que estação é essa?
Do lado de fora, um mundo diferente os aguardava.

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