Tripulação
de Esqueletos (Skeleton Crew), lançado em 1985, foi um dos livros mais vendidos
nos anos 80, e é uma das obras básicas para os fãs de Stephen King.
Particularmente, este foi o único livro do autor que me deixou com medo, mas
não é só por isso que ele é importante. Na verdade trata-se de uma coletânea
que inclui contos, poemas e até um romance curto entre suas páginas. Ou seja,
ele tem bastante energia de King investida, capaz de divertir o leitor por
muitas e muitas horas.
Como
veremos, alguns dos trabalhos incluídos no livro foram adaptados para o cinema
e para a televisão. Sem mais delongas, vamos seguir viagem rumo ao assustador
mundo de Tripulação de Esqueletos:
O
Nevoeiro (The Mist)
O
livro já começa arrebentando, com a história de um grupo de pessoas presas em
um supermercado, ameaçadas pelas perigosas criaturas envoltas na misteriosa
neblina que avança sobre a cidade. Publicada previamente na revista Dark
Forces, em 1980, foi substancialmente modificada para o livro. É difícil
decidir se O Nevoeiro é um romance curto ou um conto longo, mas o cineasta
Frank Darabont não teve dúvida nenhuma ao transformar a narrativa em um dos
melhores filmes de terror que se tem notícia, em 2008, e com um final
diferente. Segundo King, a ideia para a história surgiu quando ele e seu filho
foram ao supermercado logo depois de uma tempestade que causou um nevoeiro
intenso na cidade – mas não há provas de que havia criaturas monstruosas
nele.
Aqui Há Tigres (Here There Be Tygers)
Este
conto curtinho é um dos mais antigos de King, escrito quando ele estava no
colegial e publicado na revista Ubris, em 1968 (quando o autor tinha 21 anos,
portanto). Narra o dia em que um garoto, em sala de aula e apertado para
urinar, pede para a mal humorada professora para ir até o banheiro. No caminho
ele se depara com algo bem inesperado e perigoso, e é quando vemos muito
daquele humor macabro de King, que nos faz rir e suar frio. “Here There Be
Tygers” é uma alusão ao aviso “Here There Be Dragons”, usado por cartógrafos na
Idade Média para alertar sobre territórios inexplorados nos mapas. No filme A
Metade Negra, uma personagem vê uma história bem parecida com a do conto. E há
um conto de ficção científica de Ray Bradbury com o mesmo título.
O
Macaco (The Monkey)
Só
mesmo o talento do autor para explicar como ele conseguiu usar um brinquedo
ridículo para escrever um dos contos mais assustadores de sua carreira. Na
história, um daqueles irritantes macaquinhos de plástico, que ficam batendo
dois pratos, causa a morte do infeliz que ouvir as batidas. Foi adaptado pelo
próprio King como um episódio da série Arquivo X, mas de forma maquiada: lá o
brinquedo deixou de ser um macaco e foi substituído por uma boneca.
Particularmente, esta foi uma das poucas histórias de King que me fizeram
perder o sono.
Caim
Rebelado (Caim Rose Up)
Outra
das histórias do autor escritas no seu tempo de garoto. Poderíamos dizer que
King deve ter encontrado dias ruins na escola, e usou a literatura para
canalizar suas frustrações. Mas este conto é baseado na história de Charles
Withman, um estudante que, em 1966, disparou seu rifle na universidade do
Texas, matando 16 pessoas e ferindo 32. Vários elementos da trama podem ser
vistos no livro Rage, que King escreveu sob o pseudônimo de Richard Bachman, e
que hoje não é mais impresso, devido às semelhanças com os casos reais de
chacinas em escolas americanas. O conto é forte, como um tiro certeiro em
direção ao leitor.
O
Atalho da Sra. Todd (Mrs. Todd’s Shortcut)
Um
dos meus contos favoritos do livro, sobre uma mulher obcecada por encontrar
atalhos, até que começa a descobrir caminhos alternativos que encurtam suas
viagens de forma impossível. Possui um impagável clima de Além da Imaginação.
A
Excursão (The Jaunt)
E
por falar em Além da Imaginação, a história seguinte foi justamente publicada
na Twilight Zone Magazine, em 1981. É um conto de ficção científica, com
terror. No século 24 é possível viajar grandes distâncias por teletransporte,
mas o passageiro precisa estar inconsciente durante o procedimento, ou as
consequências podem não ser nada agradáveis. É claro que algum personagem
curioso vai querer descobrir isso na prática, e o que temos é um dos pontos
altos da nossa viagem junto à Tripulação de Esqueletos.
A
Festa de Casamento (The Wedding Gig)
King
traz uma história que se passa no mundo da máfia, durante a Lei Seca. É
interessante a construção e o crescimento da tensão neste conto, que vai aos
poucos preparando o leitor para o dramático e caótico ato final. É um exemplar
do terror real, onde as criaturas monstruosas são os próprios humanos.
Paranóico:
Um Canto (Paranoid: A Chant)
Um
poema de Stephen King. Isto mesmo, um poema (e não é o único do livro).
Traduzido, ele perde as rimas e o ritmo do original, mas ainda assim vale como
uma história claustrofóbica sobre a mente perturbada de um esquizofrênico, que
acredita ser observado 24 horas por dia por pessoas que querem matá-lo. Foi
transformado em um curta, que pode ser assistido no Youtube.
A
Balsa (The Raft)
História
que já foi levada ao cinema, como um dos segmentos de Creepshow 2, mas com
final diferente. Apresenta quatro jovens que vão nadar em um lago e são
atormentados por uma estranha mancha de óleo canibal (!). No livro, King conta
um caso interessante: ele havia escrito uma versão um pouco diferente da
história, chamada The Float. Pouco depois de conseguir um contrato para
publicá-la na revista Adam, em 1969, ele foi preso em uma pequena cidade do
Maine, por retirar da estrada alguns cones de sinalização, depois que um deles
danificou seu carro. Naquele momento, King não tinha em mãos os $ 250 para
pagar a fiança e teria que passar 30 dias na prisão. Foi exatamente quando ele
recebeu, pelo correio, o cheque pela publicação de The Float – evento que ele
chamou como “receber uma verdadeira carta Saia da Prisão”, em referência ao
jogo Banco Imobiliário. Apesar do fato, ele nunca conseguiu achar uma cópia da
revista que traria o conto.
O
Processador de Palavras dos Deuses (Word Processor of the Gods)
Nos
anos 80 uma das poucas coisas que os computadores faziam era servir para
digitação (algo como se, hoje em dia, o único programa que você pudesse usar em
seu notebook fosse o Word). Por isso eram chamados de “processadores de texto”,
e também eram grandes e lentos. Com isso, King criou uma interessante história
sobre um computador que pode criar tudo aquilo que for nele digitado, e apagar
do mundo real as palavras que forem por ele deletadas. É claro que um
personagem que tem uma esposa e um filho horríveis, e que recentemente perdeu o
sobrinho brilhante (inventor da máquina) vai fazer bom uso deste processador.
Foi adaptado para a TV na série Tales From the Darkside, de 1984.
O Homem Que Não Apertava Mãos (The Man Who Would Not
Shake Hands)
Com
profundas ligações com o segmento O Método Respiratório, do livro Quatro
Estações, este é um conto de terror de estilo clássico. Será que você consegue
descobrir o motivo que leva aquele homem a nunca apertar as mãos de ninguém? É
óbvio que não é apenas por falta de educação! Conto inspirado no universo da
história A Pata do Macaco, de W.W. Jacobs.
Um
Mundo de Praia (Beachworld)
Aqui
podemos dizer que é o primeiro ponto baixo da obra. É uma história de ficção
científica, sobre uma aeronave que faz um pouso forçado em um planeta estranho,
e cujos tripulantes começam a enlouquecer. É lentíssimo, de dar sono. Bem que
poderia ter ficado de fora da coletânea. Mas tudo bem: se você passar por essa
pequena tortura, você está preparado para uma das mais horripilantes histórias
do autor, que é...
A
Imagem do Ceifador (The Reaper´s Image)
Junto
com O Macaco, este é o outro conto de King que me fez ficar sem sono à noite.
Aqui ele nos apresenta a um amaldiçoado espelho de um museu, no qual algumas
pessoas podem enxergar a imagem da Morte. É mais um dos textos que ele escreveu
na adolescência, provando que desde cedo já era bom em saber assustar.
Nona
(Nona)
Não
é das minhas preferidas, mas é interessante por trazer, como coadjuvantes, dois
personagens de O Corpo (ou do filme Conta Comigo): Vern Tessio e Ace Merril. É
sobre um jovem que, depois de conhecer uma estranha garota chamada Nona,
junta-se a ela e passa a cometer vários crimes pelas estradas. Uma espécie de
Assassinos Por Natureza adolescente, com toques sobrenaturais.
Para
Owen (For Owen)
Outro
poema da coletânea, que foi escrito para o filho de King. Mostra o pai levando
o pequeno Owen para a aula, e no caminho o menino descreve uma escola
frequentada por frutas.
Tipo
de Sobrevivente (Survivor Type)
A
história que o próprio King admite ter ido longe demais. Narrado na forma de um
diário, é sobre um médico que, após um naufrágio, vai parar sozinho em uma ilha
deserta, carregando um pacote de heroína e nenhuma comida. Depois de ferir
gravemente o tornozelo e não poder mais andar, decide amputar e comer o próprio
pé. Mas mesmo depois disso, a fome continua...
O
Caminhão do tio Otto (Uncle's Otto Truck)
Otto
Schenck é um recluso que acredita que seu velho caminhão abandonado, que
carrega uma maldição, poderá avançar sobre ele para matá-lo. Lembra o romance
Christine.
Entregas
Matinais (Morning Deliveries)
Conto
estranho e macabro, sobre um leiteiro que faz suas entregas com alguns
“presentinhos” para seus simpáticos clientes, como veneno e aranhas nas
embalagens onde deveria haver apenas leite e manteiga.
Carrão: Uma Historia de Lavanderia (Big Wheels:Tale of
the Laundry Game)
Conto
intimamente ligado ao anterior, que traz novamente o leiteiro psicopata. O
leitor pensa: “Caramba, achei que esse cara não ia mais aparecer, e ele invade
um conto que nem era dele!”. Foi uma boa sacada de King, prolongando o terror
da história anterior e entregando para o leitor uma conclusão mais
satisfatória.
Vovó
(Gramma)
Como
se não bastasse O Macaco e A Imagem do Ceifador para me roubar o sono, o livro
ainda traz este assustador conto que me deixou sem dormir por algumas noites.
Adaptado para a TV na série Além da Imaginação (na versão dos anos 80), nos
apresenta a um menino de 11 anos deixado sozinho em casa com a avó moribunda.
Até aí tudo bem: esta é, inclusive, uma trama bem parecida com o segmento de O
Cemitério que envolve a personagem Zelda, lembram? Mas aqui há um agravante: a
velha, além de assustadora por si só, é praticante de bruxaria e tem parte com
o capeta. Os trechos em que o menino é obrigado a ir até o quarto onde ela está
deitada são de fazer suar frio. E o final é bem inesperado e medonho. O conto é
ótimo, mas o episódio da série não fica muito atrás. Está disponível no
Youtube.
A Balada do Projétil Flexível (The Ballad of the
Flexible Bullet)
História
interessante, sobre um autor que acredita escrever bem graças às pequenas
criaturas que vivem dentro de sua máquina de datilografar. É muito boa a
construção do suspense e da descida do protagonista rumo à insanidade.
O
Braço de Mar (The Reach)
E
o livro termina neste melancólico e sobrenatural conto sobre Stella Flanders,
uma senhora que, com a proximidade da morte, começa a relembrar seu passado e a
ouvir seu falecido esposo com cada vez mais frequência. Possui uma atmosfera
gótica e poética, que evoca clássicas histórias de fantasmas, como O Morro dos
Ventos Uivantes e A Volta do Parafuso. Segundo King, a inspiração para o conto
veio de uma personagem real: uma idosa que viveu toda a vida em uma pequena ilha
do Maine, sem nunca ir até a costa.
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