Um
jantar a dois. Há quanto tempo não tinham isso! Natan exibia os olhos cansados,
demonstrando que dormia mal há dias.
-Finalmente,
hein, meu amor! – disse para a esposa, enquanto brindavam com a taça de vinho.
A
mulher sorriu, pois intimamente estava satisfeita que ele estivesse tendo esta
noite de descanso. O filho do casal estava com quase um ano de idade, e eles não
tinham um tempo sozinhos desde antes do nascimento.
-Como
pode ele ser tão terrível?
-Quem?
– perguntou a jovem mulher, já sabendo a resposta.
-O
Júnior! Nossa, eu nunca imaginei que seria tão difícil ter um filho. É tanta
coisa para se preocupar...
Natan
lembrou-se de antes do bebê nascer: era outra vida, que não voltará. Naquele
tempo, o casal podia ir aonde quisesse, a qualquer hora. Hoje já não tinham
tempo para nada daquilo. A criança exigia tanto deles, que mal podiam lembrar como
era estarem livres dessa responsabilidade. Nunca mais haviam tido um dia de
romantismo. Ao contrário: suas rotinas só incluíam fraldas, choros, mamadeiras
e noites sem dormir.
A
cada semana, parecia que as dificuldades aumentavam. Quando o bebê começou a engatinhar,
suas preocupações triplicaram.
Mas
tudo isso, além do fato da criança ser muito ativa e bagunceira, não era a
maior preocupação de Natan. Ele não havia comentado com ninguém, nem com a
esposa, mas notara algo estranho no filho. Talvez fosse em seu olhar, mas também podia ser a energia que emanava dele, como uma aura. O pai nunca havia
passado muito tempo com outras crianças, e por isso não sabia se era
normal. Aquilo o incomodava, principalmente naquele momento em que estava longe
do menino e não podia saber o que ele fazia.
A
jovem notou uma preocupação no semblante do companheiro e quis saber o que era.
-Nada,
não. Vamos aproveitar nossa noite a sós – dissimulou o marido.
Eles
finalmente tinham adquirido confiança para deixar o filho com a madrinha, e
tomaram todas as providências para que ela não tivesse nenhuma dificuldade. Mas
agora que estavam curtindo aquele momento com o qual sonhavam há meses, havia
algo incômodo no ar.
Natan
pensava no filho como um pequeno feiticeiro, que podia dominar todos à sua
volta. O pai, que tanto abdicou desde que soube da gravidez, admirava-se com o quanto o menino havia o feito se transformar. E. numa daquelas
revelações em que nos damos conta de algo surpreendente que estava debaixo do nosso nariz,
ele concluiu: Estava enfeitiçado! Talvez possuído! E tudo começou depois da chegada do bebê.
Seu
coração já estava disparado, uma gota de suor escorria pela testa e ele não
achava um jeito confortável de permanecer naquela cadeira.
-Meu
amor, me desculpe, mas temos que ir embora – ele disse de súbito, sem conseguir
disfarçar.
A
mulher ficou ainda mais assustada com o comportamento do esposo.
-O
que foi, querido? Não vai esperar a sobremesa?
Era
mais forte que ele. Não tinha como negar a si próprio, e nem conseguiria evitar
dizer para a esposa. Era um sentimento insuportável, e precisava ser resolvido
naquele instante. Ele já estava se levantando quando confessou: “É sobre o nosso
filho”, fazendo sinal para o garçom trazer logo a conta.
-O
que há de errado com ele? – disse a jovem, mais que preocupada.
-Ele
fez algo comigo, e agora estou sentindo uma coisa muito forte aqui dentro. Preciso resolver isso agora mesmo.
-Você
está sentindo o que, Natan?
O
pai olhou bem no fundo dos olhos dela.
-Saudades
dele.
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