segunda-feira, agosto 25, 2014

A tempestade de raios (L.F.Riesemberg)



Eu havia terminado a faculdade e estava com um dinheiro reservado para viajar. Sempre achei que, antes de se começar algo sério, era preciso experimentar. Eu não estava com pressa para começar as responsabilidades da vida adulta, como trabalho, casamento e filhos. Eu queria conhecer coisas diferentes, e ver o mundo de outro ponto de vista. Foi assim que decidi morar na Moldávia por seis meses.

De início, lá encontrei as dificuldades que já esperava: a comida, a língua, os hábitos exóticos. E o que estranhei bastante foi a preocupação do povo com as tempestades de raios. Recebi até um manual com dicas sobre o que fazer durante um temporal, para evitar ser atingido por um relâmpago.

Excentricidades à parte, o país foi uma boa escolha. Foi lá que conheci Diana. Estávamos na mesma mercearia, comprando pães, quando nos esbarramos. A dificuldade em me comunicar deve ter atraído sua atenção, e nossa conversa continuou até a rua. Eu não quis deixar aquele encontro casual terminar ali, então continuamos nos conhecendo.

Ela ficou fascinada pela minha aventura em terras tão longínquas, e eu pela sua beleza. Foi através de Diana que comecei a entender muito sobre os mistérios da vida, e devo dizer que fui me apaixonando cada vez mais por ela.

Não me considero um sujeito romântico, mas depois de algumas semanas, parecia que tudo o que eu buscava para minha vida estava naquele país. Lá eu poderia exercer minha profissão e desejei passar o resto dos meus dias por lá.

Todo domingo pela manhã, eu e Diana íamos caminhar na trilha de um bosque, que terminava em um belo lago. Já nos comunicávamos muito bem, e conseguíamos ter conversas mais profundas. Estávamos sentados na grama, de frente para o lago, quando o vento trouxe até nós uma flor vermelha. Eu a peguei e coloquei nos cabelos dela. Ela ficou feliz com o meu gesto, e então me explicou que na Moldávia, aquela flor era conhecida por uma tradição quase esquecida: havia um dia determinado do ano em que as moças colhiam um ramalhete dessas flores e o depositavam sob o travesseiro, antes de dormirem. Assim, o sonho que tivessem naquela noite valeria como um presságio.  

“Você já fez isso?” – perguntei. Ela disse que sim, no dia em que completou quinze anos. Mas não me contou qual foi o sonho que teve. Disse que o que estava vivendo naquele dia, comigo, já era um sonho. Isso me fez pensar, e logo tivemos uma conversa a respeito do Destino. Se era possível sonhar com o que iria acontecer, já não estaria tudo traçado? Não seríamos apenas peças movidas por alguém que já sabe qual será o resultado do jogo?

Talvez o assunto fosse complexo demais para conversar em uma língua em que não se tem muita fluência. Ou talvez ela não se sentisse confortável para falar daquilo, mas foi aí que lembrei do manual sobre os cuidados a se tomar em uma tempestade.

“Me diga, se nosso futuro já está traçado, então por que toda essa preocupação para não se levar um raio? Se está definido que serei atingido, então não há nada que se possa fazer, certo?”. Ela riu, e aquela conversa sobre sonhos e destinos a fez falar de uma música. Me contou que certa vez o cantor Ian MacCulloch teve um sonho e acordou com a lembrança de um refrão. Isto o ajudou a compor a melhor canção de sua carreira, que fala sobre o destino, e sobre como não adianta tentar escapar dele.

Falamos então do nosso improvável relacionamento. Não havia uma resposta lógica para a razão de nos conhecermos: éramos de países extremamente distantes, não tínhamos nada que nos ligasse, e de repente estávamos ali, juntos. “Há tanta coisa para se pensar, que é melhor nem pensar”, ela disse. “Sim”, concordei. “É melhor só curtir o momento”, e foi o que fizemos até o fim daquele dia.

É estranho pensar que tivemos aquela conversa justo naquele domingo. Fico imaginando, tentando compreender a mágica por trás dos acasos e das coincidências. O que faz com que um raio atinja aquele determinado lugar, naquele exato segundo?

Estávamos indo para casa quando desabou o temporal. Corremos debaixo de uma pesada chuva, e sem que desse tempo de pensar em nada, o relâmpago atingiu Diana. Disseram que muitas pessoas sobrevivem a esse tipo de acidente, mas não foi o caso dela. Fiquei muito triste por essa perda em minha vida, e não aguentei continuar minha estadia no país. Deixei por lá essas lembranças, que jamais abri a ninguém.

De volta à minha terra, dei início à tão temida vida adulta, que era o que me restava. Arranjei um trabalho, mas mantive meu coração congelado, inconformado com aquele destino dourado que parecia ter sorrido para mim, mas que em tão pouco tempo se fechou em um céu escuro. Virei um solitário, sem saber em que acreditar, e vagava apenas sobrevivendo, sem nunca mais sorrir.

Numa tarde qualquer, eu estava ouvindo aquela música em meus fones de ouvido, no ponto de ônibus, e lembrando de Diana. O volume estava tão alto que dava para as pessoas à minha volta escutarem também. Uma dessas pessoas era uma moça que adorava aquela canção. Foi graças a isso que tivemos nossa primeira conversa, e depois começamos a sair juntos. Quer dizer, é estranho, mas desde a noite em que o cantor teve aquele sonho, desenhou-se uma teia invisível de desencadeamentos que me colocaram aqui, nesta igreja, vendo Estela caminhar em minha direção, de braços dados com seu pai. E se eu não tivesse ido à Moldávia, e conhecido Diana, eu nunca estaria ouvindo aquela música no ponto de ônibus.

Percebe que parece existir uma ordem no meio de toda essa bagunça? Não deve ser fácil, para quem controla nossos destinos, ficar criando essas situações, a fim de que façamos as pequenas coisas que nos levarão às grandes. Acho que ainda somos tolos demais para compreender isso tudo. Mas de uma coisa estou certo: caso o destino realmente exista, ele é só uma inspiração, como um mapa. Se você ficar parado, sem tomar nenhuma atitude, não terá futuro nenhum. Agora peço licença, pois ela acabou de chegar.

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