Diziam as más línguas que ele havia enlouquecido.
Mas eu não acreditava nisso. Para mim, Silvio Beck estava vivendo como queria,
longe de outros humanos. Essa intuição era muito forte, principalmente quando
eu lembrava o dia em que o conheci pessoalmente. Era a noite de autógrafos do
livro sobre montanhismo que ele havia escrito, mas notei de longe o seu desconforto
por estar naquele lançamento, cercado de gente. Eu tinha que entrevistá-lo para
a revista em que eu trabalhava, e fiquei até com medo da cara que ele fez ao me
ver aproximar-se com o gravador e a câmera. No fim das contas consegui a
entrevista, que fiz em poucos minutos, porque tudo o que ele queria era tirar a
gravata e voltar para o seu sítio.
Naquele dia comecei a ler o livro dele,
intitulado O Excursionista Perdido, que a editora vendia como um manual para aventureiros
arriscarem-se em acampamentos selvagens, sem o risco de perderem-se na mata. Envolvi-me
com a leitura, pois desde o primeiro capítulo entendi aquelas dicas não só como
para a atividade campista. Para mim tais palavras serviram como um guia para a
vida, pois eu me sentia perdido e as palavras do experiente montanhista me
levaram a tomar decisões pessoais extremamente importantes.
Anos se passaram, e por curiosidade fui
pesquisar sobre ele. Surpreso, descobri que ele estava desaparecido há mais de
um ano. Havia saído para fazer uma trilha solitária em uma das grandes serras
da região, e nunca mais voltou. Haviam procurado em uma grande área, com cães e
helicópteros, mas não acharam seus rastros.
Resolvi eu mesmo me aventurar a saber
o que havia acontecido com ele. Se descobrisse, teria uma história fantástica e
poderia até escrever um livro. Comecei os trabalhos calmamente, indo atrás da
família e de pessoas que haviam convivido com ele. Descobri casos curiosos,
sobre como a sua personalidade o havia impedido de conquistar a fama. Era um
recluso, não tolerava adular ninguém e só amava a natureza. Admitia até entrar
em parques protegidos, zombando da lei, para observar a fauna e a flora
exuberantes.
Quando eu me embrenhei na serra,
estava munido de todas as informações que precisava para encontrar sua pista.
Talvez eu me perdesse, mas também era possível que eu fizesse uma grande
descoberta. Depois de oito dias de caminhadas pela mata profunda, encontrei
algo. Eu já estava exausto, com cortes por todo o corpo, e o identifiquei me
observando. “O que você quer aqui?”, perguntou. Um raio de sol batia em meus olhos,
e eu apenas ouvia sua voz. Quando quis me aproximar, ele fez menção de se
esconder.
“Espere! Eu sei porque veio para cá”,
gritei. Eu não o enxergava direito, mas sabia que ele me observava há dias
antes de se mostrar. Se ele quisesse continuar escondido, o faria facilmente.
“Eu entendi o seu livro. Tive que ler
milhares de vezes, mas finalmente compreendi!”. Quando terminei essa frase, ele
apareceu na minha frente. Uma pessoa normal, se estivesse viva depois de sobreviver
tanto tempo em território selvagem, teria uma aparência muito diferente. A
barba estaria grande, a magreza chamaria a atenção... mas Silvio Beck estava
mais jovem do que antes, e seus olhos eram o que mais o denunciavam.
“Vim aqui para agradecer. Graças ao
seu livro, agora sei onde estou, e para onde quero ir”, falei a ele, que me
ouviu e agradeceu. “Pelo menos alguém compreendeu...”, disse ele, antes de
desaparecer por completo de minha vista e nunca mais voltar.
Às vezes começo a reler o livro, e agora
até a epígrafe que ele escolheu para abrir o texto faz todo o sentido para mim:
“Eu acredito que o dom da imaginação tem o
poder de refazer o mundo, de liberar a verdade dentro de nós, de impedir que a noite avance sobre o dia,
de transcender a morte e de revelar
as confidências dos loucos”.
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