Eu havia terminado a faculdade e estava com
um dinheiro reservado para viajar. Sempre achei que, antes de se começar algo
sério, era preciso experimentar. Eu não estava com pressa para começar as responsabilidades
da vida adulta, como trabalho, casamento e filhos. Eu queria conhecer coisas diferentes,
e ver o mundo de outro ponto de vista. Foi assim que decidi morar na Moldávia
por seis meses.
De início, lá encontrei as dificuldades que já
esperava: a comida, a língua, os hábitos exóticos. E o que estranhei bastante
foi a preocupação do povo com as tempestades de raios. Recebi até um manual com
dicas sobre o que fazer durante um temporal, para evitar ser atingido por um
relâmpago.
Excentricidades à parte, o país foi uma boa
escolha. Foi lá que conheci Diana. Estávamos na mesma mercearia, comprando
pães, quando nos esbarramos. A dificuldade em me comunicar deve ter atraído sua
atenção, e nossa conversa continuou até a rua. Eu não quis deixar aquele
encontro casual terminar ali, então continuamos nos conhecendo.
Ela ficou fascinada pela minha aventura em
terras tão longínquas, e eu pela sua beleza. Foi através de Diana que comecei a
entender muito sobre os mistérios da vida, e devo dizer que fui me apaixonando
cada vez mais por ela.
Não me considero um sujeito romântico, mas depois
de algumas semanas, parecia que tudo o que eu buscava para minha vida estava
naquele país. Lá eu poderia exercer minha profissão e desejei passar o resto dos meus dias por lá.
Todo domingo pela manhã, eu e Diana íamos
caminhar na trilha de um bosque, que terminava em um belo lago. Já nos
comunicávamos muito bem, e conseguíamos ter conversas mais profundas. Estávamos
sentados na grama, de frente para o lago, quando o vento trouxe até nós uma flor
vermelha. Eu a peguei e coloquei nos cabelos dela. Ela ficou feliz com o meu
gesto, e então me explicou que na Moldávia, aquela flor era conhecida por uma tradição
quase esquecida: havia um dia determinado do ano em que as moças colhiam um
ramalhete dessas flores e o depositavam sob o travesseiro, antes de dormirem.
Assim, o sonho que tivessem naquela noite valeria como um presságio.
“Você já fez isso?” – perguntei. Ela disse
que sim, no dia em que completou quinze anos. Mas não me contou qual foi o
sonho que teve. Disse que o que estava vivendo naquele dia, comigo, já era um
sonho. Isso me fez pensar, e logo tivemos uma conversa a respeito do Destino.
Se era possível sonhar com o que iria acontecer, já não estaria tudo traçado?
Não seríamos apenas peças movidas por alguém que já sabe qual será o resultado
do jogo?
Talvez o assunto fosse complexo demais para
conversar em uma língua em que não se tem muita fluência. Ou talvez ela não se
sentisse confortável para falar daquilo, mas foi aí que lembrei do manual sobre
os cuidados a se tomar em uma tempestade.
“Me diga, se nosso futuro já está traçado,
então por que toda essa preocupação para não se levar um raio? Se está definido
que serei atingido, então não há nada que se possa fazer, certo?”. Ela riu, e
aquela conversa sobre sonhos e destinos a fez falar de uma música. Me contou
que certa vez o cantor Ian MacCulloch teve um sonho e acordou com a lembrança de
um refrão. Isto o ajudou a compor a melhor canção de sua carreira, que fala
sobre o destino, e sobre como não adianta tentar escapar dele.
Falamos então do nosso improvável relacionamento.
Não havia uma resposta lógica para a razão de nos conhecermos: éramos de países
extremamente distantes, não tínhamos nada que nos ligasse, e de repente
estávamos ali, juntos. “Há tanta coisa para se pensar, que é melhor nem pensar”,
ela disse. “Sim”, concordei. “É melhor só curtir o momento”, e foi o que fizemos
até o fim daquele dia.
É estranho pensar que tivemos aquela conversa
justo naquele domingo. Fico imaginando, tentando compreender a mágica por trás dos
acasos e das coincidências. O que faz com que um raio atinja aquele determinado
lugar, naquele exato segundo?
Estávamos indo para casa quando desabou o
temporal. Corremos debaixo de uma pesada chuva, e sem que desse tempo de pensar
em nada, o relâmpago atingiu Diana. Disseram que muitas pessoas sobrevivem a
esse tipo de acidente, mas não foi o caso dela. Fiquei muito triste por essa
perda em minha vida, e não aguentei continuar minha estadia no país. Deixei por
lá essas lembranças, que jamais abri a ninguém.
De volta à minha terra, dei início à tão
temida vida adulta, que era o que me restava. Arranjei um trabalho, mas mantive
meu coração congelado, inconformado com aquele destino dourado que parecia ter
sorrido para mim, mas que em tão pouco tempo se fechou em um céu escuro. Virei
um solitário, sem saber em que acreditar, e vagava apenas sobrevivendo, sem
nunca mais sorrir.
Numa tarde qualquer, eu estava ouvindo aquela
música em meus fones de ouvido, no ponto de ônibus, e lembrando de Diana. O
volume estava tão alto que dava para as pessoas à minha volta escutarem também.
Uma dessas pessoas era uma moça que adorava aquela canção. Foi graças a isso
que tivemos nossa primeira conversa, e depois começamos a sair juntos. Quer
dizer, é estranho, mas desde a noite em que o cantor teve aquele sonho,
desenhou-se uma teia invisível de desencadeamentos que me colocaram aqui, nesta
igreja, vendo Estela caminhar em minha direção, de braços dados com seu pai. E
se eu não tivesse ido à Moldávia, e conhecido Diana, eu nunca estaria ouvindo
aquela música no ponto de ônibus.
Percebe que parece existir uma ordem no meio
de toda essa bagunça? Não deve ser fácil, para quem controla nossos destinos,
ficar criando essas situações, a fim de que façamos as pequenas coisas que nos
levarão às grandes. Acho que ainda somos tolos demais para compreender isso
tudo. Mas de uma coisa estou certo: caso o destino realmente exista, ele é só
uma inspiração, como um mapa. Se você ficar parado, sem tomar nenhuma atitude, não
terá futuro nenhum. Agora peço licença, pois ela acabou de chegar.
Peço licença para postar em minha página, gostei muito, parabéns!
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