segunda-feira, junho 29, 2015

Sonhos S.A. (L.F.Riesemberg)




 Ronald entrou na empresa e foi logo atendido.

-Então o senhor quer tirar umas férias diferentes?

-É, ouvi falar sobre essas viagens que vocês fazem, e fiquei interessado. Isso é possível mesmo?

Ele havia visto anúncios em que se prometiam levar ao mundo dos livros para viver a trama como se fosse um dos personagens.

-O senhor pode escolher entre mais de duzentos títulos, ou ainda misturar alguns.

-E é seguro? Pelo que entendi, eu fico sedado.

-O procedimento inclui passar algumas horas em uma câmara especial, sob o efeito de certos anestésicos. É assim que as memórias são implantadas. Mas garantimos que elas serão melhores e mais vívidas do que suas recordações reais.

Era um investimento pesado, mas Ronald acabou fechando um pacote para entrar em dois de seus livros favoritos: A Ilha do Tesouro e Moby Dick. Largaria um pouco de sua rotina para viver aventuras entre piratas e baleias.

Deitado na câmara e de olhos fechados para o mundo real, ele acordou em uma caravela em alto mar. Já iniciava a odisséia em ritmo frenético, cercado de todas as sensações que os livros causavam. Ele estava dentro da história, vivendo em outra época, cercado por todos os personagens daqueles livros que amava. Em seu sonho foram vários meses de conflitos e esperanças, apesar de terem se passado somente oito horas no mundo real.

Depois daquilo, Ronald não sossegou: queria mais. Porém, o agente precisou desencorajá-lo.

-Desculpe, mas o senhor deve ter lido as notícias. Estão achando que a imersão não é saudável para a mente, e provavelmente teremos que fechar as portas.

-Não aceito! – insistiu Ronald. –Estou pagando, e quero ir novamente!

Ele comprou um pacote especial, com trechos de várias outras obras, e entregou-se ao universo daqueles livros.

Deitou, fechou os olhos e foi acordar na terra mágica de Oz, onde conheceu o homem de lata e o leão covarde. De repente ouviu tiros, e descobriu-se nas páginas de Guerra e Paz. Esquivando-se da mira das carabinas, acidentalmente caiu em um buraco e foi sair no país das maravilhas. Havia algo errado, pois não havia escolhido aquelas obras, e tudo estava se passando rápido demais.

Do lado de fora, os técnicos perceberam o problema, e tentavam reanimar o cliente. Enquanto isso, Ronald se abrigava em um castelo, que já não era da rainha de copas, e sim do Drácula. Atirado a um calabouço, ficou lá por muito tempo se alimentando de insetos, até descobrir que estava na história do conde de Monte Cristo. Ao fugir para o mar, foi capturado por piratas da Ilha do Tesouro, seus velhos conhecidos. Já tonto pelas reviravoltas, começou a gritar para que o tirassem de lá. Não queria cair dentro de um livro perigoso demais.

No mundo real, ele permanecia imóvel dentro da câmara, enquanto os agentes percebiam, assustados, que não conseguiam trazê-lo de volta.

Em sua viagem, Ronald era atacado por dementadores e perseguido por dinossauros no parque jurássico. Era como se caísse em uma página diferente de cada livro, e aquilo havia deixado de ser um sonho para se tornar um pesadelo.

-Consegue saber onde ele está agora? – disse o gerente da agência, frio, diante do desconfortável quadro.

-Parece que em Farenheit 451, senhor.

-Este não é aquele em que os livros são todos incinerados?

No lado de dentro, Ronald sentiu um calor infernal. Tudo à sua volta estava sendo consumido por labaredas grandes e insistentes. Estava para ser queimado pela inquisição em Memorial do Convento, mas acabou sendo salvo por Robin Hood e abandonado em outro lugar.

-Qual o diagnóstico? – perguntou o gerente para o médico, vendo seu cliente em coma profundo.

-Irreversível, infelizmente.

Do outro lado, Ronald caminhava sem destino pelas terras devastadas.

2 comentários:

  1. Isto sim, é mais do que literatura fantástica; se eu pudesse entrar numa situação dessas, eu gostaria de ir para A Utopia (Thomas Morus); ali sim se vivia o verdadeiro socialismo, com "todos produzindo para todos" e "todos tendo os mesmos bens materiais que todos"!!!

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