terça-feira, junho 30, 2015

A Gangue da Rua 8 (L.F.Riesemberg)


Do alto de sua janela, Péricles viu quando os novos vizinhos chegaram. Ficou atento ao carro estacionando, querendo descobrir se havia crianças. Para sua infelicidade, um menino de uns sete anos pulou do banco de trás.

-Mas que droga! Não pode ser...

Péricles tinha dez anos, e não suportava crianças mais jovens na casa ao lado. Se fosse um garoto da sua idade ou mais velho, eles poderiam ser amigos e fazer muitas coisas juntos. Mas alguém mais novo só traria problemas: ele teria que tomar conta do garoto, talvez emprestar seus brinquedos, essas coisas. Antes que isso acontecesse, era preciso mostrar ao moleque quem é que mandava naquela rua, e torcer para que aquela família fosse logo embora dali.

Naturalmente, os pais dos dois se conheceram e forçaram uma amizade entre os filhos. Nicholas era o nome do pirralho. Mas Péricles tinha um plano para afastar o intruso.

-Existe um ritual quando se vem morar nesta vizinhança – disse Péricles. Os dois brincavam juntos na calçada, por pressão dos pais.

-Antes de eu te apresentar para a turma, você precisa ir até a casa do senhor Alípio, aquela grande da esquina, e trazer uma orquídea roxa.

-Eu não posso simplesmente pedir para ele? – perguntou o garotinho, inocentemente.

-Não! A primeira regra da gangue da rua 8 é: não falar a nenhum adulto sobre a gangue da rua 8. A sua tarefa inclui ir escondido, pular a cerca e voltar correndo com a flor. Faça isso e você vai merecer entrar para o bando.

Nicholas, apesar do medo, entrou às escondidas na casa do velho. Enquanto isso, Péricles voltou para casa e esperou o circo pegar fogo.

Mais tarde ficou sabendo que o velho mal humorado havia surpreendido o filho dos vizinhos novos invadindo sua casa. No mínimo, Nicholas tinha levado um grande sermão do velho e recebido um castigo dos pais.

Somente dias depois é que Péricles reencontrou o garoto.

-Eu não consegui trazer toda a flor, mas olha o que eu peguei.

Ele tinha uma pétala roxa na mão.

-E não contei para ninguém que só fui lá por causa do ritual. Agora eu já faço parte da turma?

-Ainda não – disse Péricles. –Como você não trouxe a flor inteira, não concluiu sua missão. Mas você terá outra tarefa.

Desta vez, Nicholas teria que apertar a campainha de todas as casas do quarteirão, sem ser pego. Só assim ele entraria para a gangue.

Missão aceita, o garoto usou toda a força das pernas para correr depois de fazer tocar cada campainha da vizinhança. Foi visto depois de tocar na terceira casa, o que rapidamente originou um telefonema irado aos seus pais.

Após mais um castigo, Nicholas queria conhecer o resto da gangue.

-Nada feito. Você não completou a missão. Assim, não poderá andar conosco!

Péricles deu-se por vencido quando viu o garotinho voltando para casa de cabeça baixa. Nos dias seguintes, percebeu que ele ficava brincando sozinho no quintal. Péricles considerou o plano um sucesso, principalmente porque seus pais haviam parado de forçar a barra para que fizesse amizade com o vizinho, já que o garoto era “muito encrenqueiro”.

Certo dia, depois de semanas sem saber do garoto, a campainha tocou. Era Nicholas.

-Oi, Péricles. Eu vim me despedir. Meus pais vão embora.

O menino pequeno não demonstrava estar feliz, mas parecia acostumado a se mudar. Péricles, com um nó na garganta, perguntou:

-Mas, você vai mesmo embora?

-Sim, amanhã.

Naquela hora Nicholas parecia tão pequeno e frágil. Péricles notou estranhamente que, apesar daquele ser o auge do seu plano, não estava contente. Vendo os olhinhos do menino, teve vontade de abraçá-lo, de dizer que sentia muito e de pedir para que ele não fosse embora. Foi difícil, mas conseguiu falar:

-Tá bom, amigo.

Do alto de sua janela, Péricles viu quando o carro dos vizinhos foi embora e trocou um último olhar com o menininho no banco de trás. Aquele era o triste fim da gangue da rua 8.

2 comentários:

  1. Emocionante! Lembrei da molecada da Rua X. Lembro de sair pela primeira vez do novo lar de minha família. Ao lado da nossa casa tinha um terreno baldio. Lá estava brincando um garoto da minha idade, sozinho. Mozart era o seu nome do nosso vizinho. O primeiro de uma série de amigos de infância que nunca esquecerei. Quantas histórias! Obrigado me ajudar a resgatar essas lembranças.

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