quinta-feira, setembro 11, 2014

Recordações do Futuro (Ray Bradbury)



 
Ele ficou conhecido como “o poeta da ficção científica”. E para saber o motivo, uma grande oportunidade é ler Recordações do Futuro, um dos mais importantes livros de Ray Bradbury. Saiu no Brasil também com os títulos O Homem Ilustrado (que eu prefiro) e Uma Sombra Passou Por Aqui.

Destaque inquestionável na vasta obra do autor, aqui ele usa o gênero Ficção Científica como veículo para escrever poesia em forma de prosa. Tematicamente, ele faz críticas à nossa sociedade, na qual o consumismo é mais importante que a aquisição de conhecimento, além de flertar com os grandes questionamentos do ser humano, como: existe Deus? O que aconteceria se soubéssemos que hoje é nosso último dia na Terra? E no caminho ele vai criando imagens fantásticas, dignas de sonho, envolvendo foguetes, robôs e outros planetas, que dificilmente sairão de sua cabeça.

São dezoito contos interligados pela figura do personagem título, que possui o corpo coberto por tatuagens mágicas. Cada uma dessas ilustrações em sua pele, feitas por uma mulher do futuro, conta uma das histórias do livro, que são as seguintes.

A Estepe Africana
Em um futuro próximo, um casal percebe que os brinquedos de alta tecnologia podem estar sendo perigosos para a educação de seu casal de filhos. Conto extremamente atual. Sua visão pessimista se encaixa perfeitamente no nosso mundo dominado por tablets e smartphones, em que as pessoas parecem se distanciar cada vez mais e ler cada vez menos.

Caleidoscópio
Grupo de astronautas tem sua nave destruída no espaço e caem a uma velocidade vertiginosa. Durante a queda para a morte, refletem a respeito da vida que levaram. Conto alucinante, que faz justiça ao seu título, e com um final pra lá de poético. Inspirou levemente o filme Dark Star, de John Carpenter.

O Outro Pé
Nesta história todos os representantes da raça negra, cansados dos abusos e da humilhação na Terra, migram para Marte. Anos depois, quando um foguete tripulado por brancos chega por lá, um grupo de moradores se organiza para promover a vingança por todos os anos de exploração racial que sofreram no passado.

A Estrada
Um homem simples que vive à beira de uma rodovia vê milhares de carros tomando o rumo Norte, fugindo de algo terrível. Conto menor, que possui um clima carregado de desesperança.

O Homem
Um dos contos religiosos da obra. A tripulação de um foguete chega a um planeta que, um dia antes, havia recebido a visita do Cristo. É interessante a junção dos temas, ficando claro que não há qualquer assunto que não possa ser abordado através de uma boa história.

A Grande Chuva
Grupo de astronautas perdido em Vênus precisa enfrentar a interminável chuva que cai no planeta. Um dos melhores do livro, com grande exercício de estilo do autor. Você se sentirá cada vez mais molhado e com frio à medida que for avançando as páginas. É por contos como este que virei fã de Bradbury. Como se não bastasse, o final sugere uma interpretação que pode provocar discussões, deixando esta pérola da ficção científica ainda mais instigante.

O Foguetista
Sob o olhar de seu filho de quatorze anos, a história de um piloto de foguete que só passa alguns dias do ano com a família, devido às suas longas viagens pelo espaço. Conto intimista e sentimental, que inspirou a música Rocket Man, do Elton John.

Os Balões Ígneos
Outro conto em que a religiosidade fala alto. Grupo de padres se dirige a Marte para catequizar os marcianos, e lá passam por uma experiência que os fazem refletir sobre seu papel como representantes de Deus. Bradbury cria belas imagens em nossa mente, rimando os balões de 4 de Julho com os extraterrestres em formato de esferas luminosas.

A Última Noite
Várias pessoas têm o mesmo sonho, através do qual ficam sabendo que o fim do mundo está chegando. Faz um bom par com A Estrada, devido à brevidade e à semelhança de temas.

Os Expatriados
O planeta Marte é povoado por escritores como Edgar Allan Poe, Ambrose Bierce, Charles Dickens e pelos personagens de seus livros, além de feiticeiras, dragões e outras figuras fantásticas. Mas eles se vêem ameaçados pela chegada de um foguete com terráqueos que há muito tempo deixaram de acreditar neles. Aqui Bradbury presta uma fascinante homenagem à literatura sobrenatural e à fantasia em geral, como oposição à fria cultura racionalista dos homens da ciência.

Uma Noite e Uma Manhã Comuns
Um astronauta começa a enlouquecer diante do imenso nada que é o espaço, e preocupa o resto da tripulação da nave. Discussão filosófica em que o imenso espaço sideral representa o vazio existencial do ser humano.


A Raposa e a Floresta
Narrativa de suspense policial que se passa no México, em 1938, sobre um casal perseguido por um investigador que quer que eles voltem para o ano 2155, de onde fugiram.


O Visitante
Homens doentes exilados em Marte recebem a visita de um rapaz que tem o poder de reproduzir neles a sensação de pequenos prazeres que tinham na Terra. Porém, o que era para ser um alívio acaba se transformando em pesadelo, à medida que ninguém quer dividir o rapaz com os outros.

A Betoneira
Relato satírico de uma invasão marciana à Terra. Mas aqui os extraterrestres inimigos não são combatidos com tiros e bombas: eles são recebidos de braços abertos, para serem destruídos aos poucos pelo consumismo sem freios e pela imoralidade da nossa civilização. Neste conto, Bradbury é implacável com a decadência dos costumes humanos, retratando-os sob o ponto de vista do invasor. Outro texto que soa extremamente atual diante dos hábitos da nossa sociedade, que é capaz de destruir antigas culturas com a desculpa da “modernização” dos novos tempos.

Marionetes S.A.
A história de um homem infeliz no casamento que resolve deixar um ciborgue como seu substituto no lar, sem que a esposa desconfie, a fim de fazer sozinho sua tão sonhada viagem ao Rio. Mistura perfeita de humor e suspense, com reflexões sobre a ética no matrimônio e na criação de robôs. O final é perfeito.

A Cidade
Grupo de astronautas pousa em uma antiga cidade de um planeta longínquo. Mas o local, que parecia morto, está muito vivo e quer vingança. Este exemplar de “terror do espaço” é mais um impressionante exercício de estilo do autor, que consegue transformar em poesia até mesmo descrições de eviscerações e desmembramentos.

Zero Hora
Uma mãe acompanha a misteriosa brincadeira nova que está entretendo as crianças da rua. Mas parece que há alguma coisa errada por trás desta diversão. O suspense vai crescendo até a última linha, que entrega um dos melhores momentos do livro.


O Foguete
Um pobre dono de ferro velho, sem dinheiro para viajar com a família para Marte, decide montar um foguete em seu quintal para dar aos filhos a ilusão de que estão viajando pelo espaço. Outra pérola extremamente bela e sensível, daquelas de arrancar lágrimas.

E o livro ainda conta com um epílogo, que traz novamente o homem ilustrado e encerra de forma assustadora.

Como podemos notar, Ray Bradbury criou muito mais do que uma obra de ficção científica. O Homem Ilustrado é um livro sobre a alma humana, com temas universais. Assim como suas histórias se passam no futuro e em outros planetas, elas poderiam muito bem acontecer em qualquer época e em qualquer país, que continuariam despertando nos leitores o mesmo fascínio. Portanto, se você tiver a chance de ter este livro em suas mãos, delicie-se com as palavras encantadoras deste mestre da escrita.

Um comentário:

  1. Curti muito sua resenha. Parabéns!
    Já li este livro há anos e seu texto trouxe-o direitinho de volta ás minhas recordações e sensações.
    parabéns de novo!

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