Ele ficou conhecido
como “o poeta da ficção científica”. E para saber o motivo, uma grande
oportunidade é ler Recordações do Futuro, um dos mais importantes livros de Ray
Bradbury. Saiu no Brasil também com os títulos O Homem Ilustrado (que eu prefiro) e Uma
Sombra Passou Por Aqui.
Destaque inquestionável na vasta obra do autor, aqui ele usa o gênero Ficção Científica como veículo para escrever poesia em forma de prosa. Tematicamente, ele faz críticas à nossa sociedade, na qual o consumismo é mais importante que a aquisição de conhecimento, além de flertar com os grandes questionamentos do ser humano, como: existe Deus? O que aconteceria se soubéssemos que hoje é nosso último dia na Terra? E no caminho ele vai criando imagens fantásticas, dignas de sonho, envolvendo foguetes, robôs e outros planetas, que dificilmente sairão de sua cabeça.
São dezoito contos
interligados pela figura do personagem título, que possui o corpo coberto por
tatuagens mágicas. Cada uma dessas ilustrações em sua pele, feitas por uma
mulher do futuro, conta uma das histórias do livro, que são as seguintes.
A Estepe Africana
Em um futuro
próximo, um casal percebe que os brinquedos de alta tecnologia podem estar
sendo perigosos para a educação de seu casal de filhos. Conto extremamente
atual. Sua visão pessimista se encaixa perfeitamente no nosso mundo dominado
por tablets e smartphones, em que as pessoas parecem se distanciar cada vez
mais e ler cada vez menos.
Caleidoscópio
Grupo de astronautas tem sua nave destruída no espaço e caem a uma velocidade vertiginosa. Durante a queda para a morte, refletem a respeito da vida que levaram. Conto alucinante, que faz justiça ao seu título, e com um final pra lá de poético. Inspirou levemente o filme Dark Star, de John Carpenter.
Grupo de astronautas tem sua nave destruída no espaço e caem a uma velocidade vertiginosa. Durante a queda para a morte, refletem a respeito da vida que levaram. Conto alucinante, que faz justiça ao seu título, e com um final pra lá de poético. Inspirou levemente o filme Dark Star, de John Carpenter.
O Outro Pé
Nesta história todos
os representantes da raça negra, cansados dos abusos e da humilhação na Terra,
migram para Marte. Anos depois, quando um foguete tripulado por brancos chega
por lá, um grupo de moradores se organiza para promover a vingança por todos os
anos de exploração racial que sofreram no passado.
A Estrada
Um homem simples
que vive à beira de uma rodovia vê milhares de carros tomando o rumo Norte,
fugindo de algo terrível. Conto menor, que possui um clima carregado de
desesperança.
O Homem
Um dos contos
religiosos da obra. A tripulação de um foguete chega a um planeta que, um dia
antes, havia recebido a visita do Cristo. É interessante a junção dos temas,
ficando claro que não há qualquer assunto que não possa ser abordado através de
uma boa história.
A Grande Chuva
Grupo de
astronautas perdido em Vênus precisa enfrentar a interminável chuva que cai no
planeta. Um dos melhores do livro, com grande exercício de estilo do autor.
Você se sentirá cada vez mais molhado e com frio à medida que for avançando as
páginas. É por contos como este que virei fã de Bradbury. Como se não bastasse,
o final sugere uma interpretação que pode provocar discussões, deixando esta
pérola da ficção científica ainda mais instigante.
O Foguetista
O Foguetista
Sob o olhar de seu
filho de quatorze anos, a história de um piloto de foguete que só passa alguns
dias do ano com a família, devido às suas longas viagens pelo espaço. Conto
intimista e sentimental, que inspirou a música Rocket Man, do Elton John.
Os Balões Ígneos
Outro conto em que
a religiosidade fala alto. Grupo de padres se dirige a Marte para catequizar os
marcianos, e lá passam por uma experiência que os fazem refletir sobre seu
papel como representantes de Deus. Bradbury cria belas imagens em nossa mente,
rimando os balões de 4 de Julho com os extraterrestres em formato de esferas
luminosas.
A Última Noite
Várias pessoas têm
o mesmo sonho, através do qual ficam sabendo que o fim do mundo está chegando.
Faz um bom par com A Estrada, devido à brevidade e à semelhança de temas.
Os Expatriados
O planeta Marte é
povoado por escritores como Edgar Allan Poe, Ambrose Bierce, Charles Dickens e
pelos personagens de seus livros, além de feiticeiras, dragões e outras figuras
fantásticas. Mas eles se vêem ameaçados pela chegada de um foguete com terráqueos
que há muito tempo deixaram de acreditar neles. Aqui Bradbury presta uma
fascinante homenagem à literatura sobrenatural e à fantasia em geral, como
oposição à fria cultura racionalista dos homens da ciência.
Uma Noite e Uma Manhã Comuns
Um astronauta
começa a enlouquecer diante do imenso nada que é o espaço, e preocupa o resto
da tripulação da nave. Discussão filosófica em que o imenso espaço sideral
representa o vazio existencial do ser humano.
A Raposa e a Floresta
Narrativa de
suspense policial que se passa no México, em 1938, sobre um casal perseguido
por um investigador que quer que eles voltem para o ano 2155, de onde fugiram.
O Visitante
Homens doentes
exilados em Marte recebem a visita de um rapaz que tem o poder de reproduzir
neles a sensação de pequenos prazeres que tinham na Terra. Porém, o que era
para ser um alívio acaba se transformando em pesadelo, à medida que ninguém
quer dividir o rapaz com os outros.
A Betoneira
Relato satírico de
uma invasão marciana à Terra. Mas aqui os extraterrestres inimigos não são
combatidos com tiros e bombas: eles são recebidos de braços abertos, para serem
destruídos aos poucos pelo consumismo sem freios e pela imoralidade da nossa
civilização. Neste conto, Bradbury é implacável com a decadência dos costumes
humanos, retratando-os sob o ponto de vista do invasor. Outro texto que soa
extremamente atual diante dos hábitos da nossa sociedade, que é capaz de
destruir antigas culturas com a desculpa da “modernização” dos novos tempos.
Marionetes S.A.
A história de um
homem infeliz no casamento que resolve deixar um ciborgue como seu substituto
no lar, sem que a esposa desconfie, a fim de fazer sozinho sua tão sonhada
viagem ao Rio. Mistura perfeita de humor e suspense, com reflexões sobre a
ética no matrimônio e na criação de robôs. O final é perfeito.
A Cidade
Grupo de
astronautas pousa em uma antiga cidade de um planeta longínquo. Mas o local,
que parecia morto, está muito vivo e quer vingança. Este exemplar de “terror do
espaço” é mais um impressionante exercício de estilo do autor, que consegue
transformar em poesia até mesmo descrições de eviscerações e desmembramentos.
Zero Hora
Uma mãe acompanha a
misteriosa brincadeira nova que está entretendo as crianças da rua. Mas parece
que há alguma coisa errada por trás desta diversão. O suspense vai crescendo
até a última linha, que entrega um dos melhores momentos do livro.
O Foguete
Um pobre dono de
ferro velho, sem dinheiro para viajar com a família para Marte, decide montar
um foguete em seu quintal para dar aos filhos a ilusão de que estão viajando
pelo espaço. Outra pérola extremamente bela e sensível, daquelas de arrancar
lágrimas.
E o livro ainda
conta com um epílogo, que traz novamente o homem ilustrado e encerra de forma
assustadora.
Como podemos notar, Ray Bradbury criou muito mais do que uma obra de ficção científica. O Homem Ilustrado é um livro sobre a alma humana, com temas universais. Assim como suas histórias se passam no futuro e em outros planetas, elas poderiam muito bem acontecer em qualquer época e em qualquer país, que continuariam despertando nos leitores o mesmo fascínio. Portanto, se você tiver a chance de ter este livro em suas mãos, delicie-se com as palavras encantadoras deste mestre da escrita.
Curti muito sua resenha. Parabéns!
ResponderExcluirJá li este livro há anos e seu texto trouxe-o direitinho de volta ás minhas recordações e sensações.
parabéns de novo!