De alguns anos para cá tenho feito sempre a mesma coisa nas
tardes chuvosas de sexta-feira. Eu caminho até esta cafeteria no centro, peço
uma xícara de capuccino e bebo enquanto olho pela janela. Os atendentes já me
conhecem, e sabem que prefiro o silêncio, então não me aborrecem puxando conversa.
Como falei, faço isto somente nas sextas de chuva. Se não for
assim, nem entro neste lugar, porque já não será mais o mesmo. É preciso ter as
condições ideais para conseguir o que busco, e só as obtenho se for numa
sexta-feira chuvosa.
Tudo começou há muitos anos. Eu estava totalmente sem rumo na vida. Havia sofrido duas perdas recentes, e não tinha nenhuma vontade de continuar vivendo. Resolvi sair e caminhei por horas, atingindo uma parte da cidade que me era desconhecida. Enfim, começou a chover.
Eu teria continuado minha rota por lugares cada vez
mais estranhos, mas me deparei com as portas deste convidativo lugar.
Entrei, inexpressivo, nas dependências do estabelecimento, e
me sentei nesta mesma mesa. O cardápio tinha vários tipos de café, que é uma
bebida que não costumo rejeitar em nenhuma ocasião. Então pedi um capuccino a
fim de ter uma sensação agradável, para variar. Há muito tempo eu não sabia o
que era ter uma alegria, mesmo que das mais simples.
Enquanto sorvia lentamente o café, fiquei observando pelo vitrô os
transeuntes com seus guarda-chuvas, e a água encharcando a via, sentindo-me
privilegiado por estar ali dentro, protegido e aquecido. O som da chuva que
chegava aos meus ouvidos era como o suave cantar dos anjos. E a simpatia dos
atendentes coroava a situação. Era uma magnífica combinação de sensações, que
me faziam sentir a alma sair do corpo e flutuar por uma região celestial.
Fechei meus olhos e voei. Vi a mim mesmo, sentado naquela
cafeteria. Um sentimento muito estranho, mas agradável, tomou conta do meu ser. Não era como se eu olhasse no espelho. Havia algo mais profundo, como se eu estivesse
conhecendo alguém. Aparentemente eu nunca havia notado que era real. As coisas
sempre foram acontecendo na minha vida, uma após a outra, como que automaticamente. Eu
nunca havia notado a minha presença, nem o quanto eu poderia mudar as coisas à
minha volta, de acordo com minha vontade.
Nunca me senti tão poderoso quanto naquele momento.
Eu estava ali, no café, mas ao mesmo tempo eu estava em um
trono. Eu era um homem comum, mas também era um rei, um herói ou um deus. Tudo
ao meu redor era fantástico, cheio de cores, e sons e gostos maravilhosos, que
eu poderia manipular de acordo com minha vontade, e eu nunca tinha percebido.
Aquilo foi uma revelação, um despertar para uma nova vida. Toda
a minha existência passou diante dos meus olhos e pude avaliar cada erro, cada
acerto. Comecei a imaginar, a fazer planos... Tudo isso em uma simples xícara de
capuccino, em uma sexta-feira chuvosa, na mesa daquele café.
Este é o meu local, o meu refúgio, onde as leis do tempo e do espaço são suspensas e eu experimento a eternidade. É o momento onde eu saio da vida, para ficar mais vivo. É meu nirvana, meu clímax, meu estado de fascínio.
Este café. Este dia da semana. Este clima.
Espero que você encontre o seu.
Um excelente texto, com descrição muito bem evocativas.
ResponderExcluirMuito bonito.
ResponderExcluirSimplesmente não pare de escrever, excelente descrição de como nos conectamos e descobrimos nos mesmos, amei o texto, obrigada por compartilhar.
ResponderExcluirLindo texto! Fiquei com vontade desse cafezinho!❤️
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