Angel,
apesar do nome, era um vampiro. Mas não como os das ficções, que precisam se
nutrir de sangue e fugir da luz do Sol. Você poderia encontrá-lo a qualquer
hora do dia, com uma aparência comum, desempenhando atividades absolutamente
normais. Mas nas noites de sexta ele transformava-se. Alterava sua aparência
com vestimentas, adereços e penteados, e saía à caça.
Quando
o vi dançando entre dois amigos, bebendo desajeitadamente uma bebida fora de
moda, deduzi que, como eu, ele era um peixe fora d’água naquele local.
Encorajado pela ação do álcool, me aproximei e iniciamos um diálogo. A
conversa fluiu tão bem, apesar do som ambiente, que decidimos prolongar a
diversão de forma mais reservada.
Pensei
ter encontrado uma alma gêmea, ou ao menos alguém muito especial, com quem seria
ótimo passar mais tempo. Conversamos sobre pequenas coisas que nos causavam
sensações e sentimentos parecidos, e a cada nova similaridade descoberta, mais
eu sentia um magnetismo feroz nos aproximando. Por fim, convidei para ir ao meu
apartamento.
Na
intimidade, fui o mais doce possível, como o sou normalmente, e ele retribuiu
toda atenção, sendo bastante compreensivo com meus defeitos. Na manhã seguinte,
o surpreendi com farto café na cama, apenas para ver mais uma vez a doçura em
seu olhar. O deixei em sua casa acreditando ter sido um encontro especial, o qual
eu adoraria repetir.
Não
me importava nada do que eu havia dispensado a ele naquelas horas. Eu estava
contente por poder fazer gentilezas, a faria outras se pudesse. Ele merecia
aquilo tudo.
Meus
pensamentos com ele foram tantos, que alguns dias depois combinamos novo encontro. Outra vez houve aquela aura mágica, pela qual o cerquei de carinhos
sinceros, de cuidados sem segundas intenções, o que nos levou a repetir os
rituais de natureza íntima. Nos sentimentais, lhe confiei segredos nunca antes revelados.
Nos físicos, combinei toda a minha força com carícias suaves, paciência e
imaginação, a fim de lhe dar o prazer máximo.
Levei
semanas para perceber o que estava acontecendo. Foi mais precisamente em uma
noite de conjunção carnal que, em êxtase, ele gritou com fôlego de modo tão
intenso que me preocupei com o sono dos vizinhos. Já havíamos conversado sobre
certas regras, as quais ele descumpria repetidamente, responsabilizando o calor
do momento pelos atos de insensatez.
Ele
passou a atuar com cada vez mais força e egoísmo, sem a suavidade e atenção que
lhe dispensei desde o primeiro encontro. Foi num momento assim, de peles
coladas pelos suores, que entendi que aquele não era um relacionamento justo.
Havia apenas investimento da minha parte. Eu lhe cedia meu tempo, minha
atenção, minha força, minha criatividade, e não obtinha o mesmo. Ele sugava tudo,
regulava até mesmo minhas amizades, mas não me entregava nada.
Assim
rompemos, e mesmo depois disto ele me roubou noites de sono, pois eu
acreditava ter agido com injustiça. Ao menos foi isso que ele me falou enquanto nos despedíamos. Somente mais tarde
fui concluir que, lhe dispensando, eu não havia lhe causado qualquer avaria. Ao
contrário, eu devia ter sido uma de suas caças perfeitas, daquelas que o
predador se alimenta até se fartar, e ainda garante uma reserva para sobreviver
por algum tempo.
Anos
depois, contando essa história para uma amiga, percebi que ela tinha alguma
informação e fiz com que me contasse. Com um sorriso malicioso, ela revelou que
também tinha tido um relacionamento rápido com o mesmo rapaz. Porém, com sua experiência,
logo notou uma malícia nas palavras dele, e até mesmo mentiras, típicas de quem
quer encantar para então sugar ao máximo tudo o que pode, e depois partir para
outra vítima.
A
vida seguiu, eu formei uma família e, apenas eventualmente, meus pensamentos eram
assombrados por ele, normalmente com compaixão. Talvez Angel fosse apenas um
ser humano, carente e com falhas como tantos somos.
Para
minha surpresa, recentemente percebi que ele se mudara para o meu prédio. Assim que coloquei os olhos nele, senti como se tivesse caído um raio sobre
mim. Sabe, ele tem ainda o seu charme.
E
se eu tivesse cometido um equívoco? Ao observá-lo, notei uma ponta de interesse
em seu olhar. Pensei, por certo tempo, que ele não havia tirado nada de mim que
eu não quisesse lhe dar. Já pensei em procurá-lo para viver uma aventura rápida
e descomprometida, como reparação pelo mal que lhe causei, mas sempre lembro de
algo que ouvi um dia. Que os vampiros de hoje não apenas abusam de você. Eles também fazem com que acredite que é você quem os está vampirizando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário