Havia algo a mais nela. Não era somente
o rosto, marcado por grandes olhos azuis e bochechas redondas. Tampouco o
corpo, beirando o excesso de curvas, que iam perfeitamente ao encontro de seus desejos.
Havia naquela mulher algo difícil de descrever, uma aura em seu sorriso, uma magia
no olhar, que lhe proporcionavam mais sensações do que uma fotografia
normalmente oferece.
Ele encarava o papel fotográfico
com um desejo ardente de tê-la nos braços, imaginando como seria o encontro, o
toque, o beijo. De olhos fechados, vivenciava a cena, sabendo que não a
realizaria de outro modo, senão nos sonhos.
Guardava aquela foto no fundo da
gaveta, oculta sob peças de vestuário. Mantinha assim, em segredo, a única
intimidade que teria com ela nesta vida.
Sem que soubesse o nome, a
chamava de mulher misteriosa, pois fora a expressão usada pela última dama que estivera
fisicamente em seu quarto. “Quem é a mulher misteriosa da foto?”, perguntou. E
nunca mais ninguém teve a permissão de ali entrar.
Encontrara o retrato em uma caixa,
organizando pertences da família. Nenhum nome escrito, nem uma data. Apenas a
imagem da mulher sorrindo, fazendo pose, sem qualquer pista ao fundo que
indicasse um local. Perguntou aos familiares mais próximos, e ninguém soube dizer
quem era.
“Joga isso fora”, disse a irmã.
A admirava todos os dias, sonhando
com a sua voz, com o som do seu riso, o perfume de seus cabelos. Idealizava-a,
mas ela não era um sonho. Era uma mulher real, ainda que desconhecesse o tempo e
o espaço de onde vinha.
Mas um dia algo surgiu.
“Esclareço tudo do passado, do presente
e vejo o futuro”, dizia a placa na tenda. “Trago seu amor afastado”. Ele entrou
e a cigana, um olho cego, o encarou. “Aqui está a foto”, disse, depositando o
papel sobre a mesa. “Podes mesmo trazê-la?”.
“Sim, meu jovem. De onde esta
mulher estiver, ela rastejará até você. É isto o que deseja?”. Ele pensou por um minuto, por fim
decidiu-se.
Terminada a sessão de ervas, vapores
e cânticos, a encomenda estava feita. “Sexta-feira à noite ela te encontrará”,
disse a cigana. “Se mudar de ideia, rasgue a fotografia em sete pedaços”.
Casa arrumada, velas acesas na
mesa, rosas sobre a cama. A ânsia de recebê-la era imensa. E mesmo que ela não
aparecesse, sempre haveria o retrato para fantasiar.
Ele olhava a fotografia, e agora,
sob nova iluminação, enxergava mais nuances naquele rosto. As sombras rendiam
outro aspecto à mulher. Pareciam lhe dar uma malícia antes imperceptível. Diria
até que uma dose de maldade.
O telefone toca, é a irmã.
“Já se livrou daquela foto? Na
verdade eu sei quem é a mulher. Preferi não falar, porque tem assuntos que é
melhor deixar no passado. Mas você tem o direito de saber. Ela foi nossa babá
por um tempo. Não lembra o que ela fazia com a gente? E sim, foi ela a causa de
todos aqueles problemas com os nossos pais. Não quero te deixar perturbado,
mas... ela matou-se. Vamos almoçar amanhã e eu te conto tudo”.
Lá fora, alguém abre o portão. Olhando
bem, aqueles olhos no retrato estavam diferentes. Algo está rastejando pelo
quintal. Olhos ferozes. Agora alguém está arranhando a porta, ou é só impressão?
Olhos rancorosos...
A mão trêmula rasga o retrato em
dois, depois em quatro pedaços. O arranhar na porta continua. Sete pedaços de
papel caem ao chão. Silêncio. Enfim, ele respira. Afasta a cortina, olha pela
janela. A noite reina escura, as copas das árvores agitam-se. “Foi só o vento”,
conclui.
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