Como todas as manhãs, estávamos
jogando bola na rua, antes que nossas mães chamassem para o almoço. Naquele
dia, o grito veio mais cedo. “Meninos, de onde será essa fumaça?”. Paramos o jogo
para admirar a imensa nuvem negra que subia ao céu à distância, e logo outra
voz feminina berrou a resposta: “É na casa da Lídia!”.
As crianças do quarteirão e suas
mães, algumas em aventais de cozinha, fizeram uma cruzada até o local. Eu
estava tão animado com a novidade que mal chutei as pedras no caminho. Quando
chegamos, já havia se formado uma multidão em volta. Muitos olhares admiravam o
fogo, que comia vorazmente a velha habitação de madeira.
“Meu Deus, que pena!”, repetia
minha mãe, com um olhar de terror. Vi outras expressões de tristeza entre os
espectadores, e frases ditas como pêsames em um funeral. Eu não entendia como
aquele espetáculo causava tais reações. Era uma visão tão linda! Labaredas
laranjas roíam paredes, estouravam vidros, reduziam móveis a pó, e a fumaça
levava tudo para o céu. Nenhum circo ou parque de diversões se comparava!
“Era a casa do Tite”, disse um
dos meus amigos. “Vocês andam com ele?”, perguntou minha mãe. “Não, ele é só um
garoto da escola”, respondi, imaginando se ele teria morrido queimado. “Graças
a Deus não tinha ninguém em casa”, ouvi uma voz atrás de mim. “Mas eles
perderam tudo o que tinham”. E outras vozes surgiam aqui e ali, indicando as
causas do acidente e o destino dos moradores.
“Vamos indo, não tem mais nada
pra ver”, disse ela, me puxando. Mas eu queria ficar. Ainda havia muita coisa
para ver. Nem todas as paredes tinham tombado. Muita madeira ainda arderia. “Isso
não é divertido, filho. Imagine se fosse conosco”.
Voltei contra a vontade, sem conversar.
Queria ter ficado mais.
No dia seguinte passamos na
frente das cinzas. Ainda tinha fumaça. “Será que está quente?”, perguntei. Minha
mãe me olhou preocupada. “Não se atrevam, você e seus amigos, a virem brincar
aí. É perigoso!”. Eu não entendia que risco poderia haver, se o fogo já estava
apagado. “Os fantasmas que começaram o incêndio ainda estão por aí”, disse ela.
Eu nunca imaginara espíritos incendiários.
Mas passei a vê-los entre as cinzas, e pedi para irmos embora logo. Não dormi
naquela noite, nem nas seguintes, pensando se aquelas criaturas também tentariam
queimar tudo o que tínhamos. Pedi para ela ficar comigo no quarto, até que eu
pegasse no sono.
Os anos se passaram, e sempre que
ouço a notícia de um incêndio lembro daquela manhã, e penso na minha mãe. Hoje
viajei para visitá-la. Antes passei em frente ao terreno. Outra casa foi
construída tempos depois, mas tudo o que enxergo é o fogo, com seus demônios
gritando ensandecidos, vendo tudo queimar.
Quando a enfermeira nos deixa a
sós, ofereço-lhe uma colher de sopa. “A senhora lembra quando aquela casa pegou
fogo? Nós fomos a pé assistir”.
Seus olhos expressam dúvida.
“Tudo bem, mãe. Já faz muito
tempo”.
Ela sorri por educação, mas não
sabe do que estou falando.
Não consigo evitar uma lágrima.
“Sou seu filho. Até de mim a
senhora esqueceu?”.
Os fantasmas finalmente vieram, mas
isto arde mais que o fogo. Perdemos tudo o que tínhamos. Não restou nada...
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