Ajeitando o guarda-roupas,
Malcolm viu algo que o deixou um tanto confuso. De um dos cabides pendia misterioso
terno, que ele não reconhecia de modo algum. Tentou recordar onde o teria comprado,
ou alguma ocasião em que o teria vestido, mas nada naquela peça lhe trazia
qualquer lembrança em particular.
O terno tinha amassaduras, devido
à pressão contra as outras roupas, e exalava o perfume de desconhecida colônia.
“Nada que uma lavanderia não resolva”, pensou o homem.
Ele tentou não se incomodar
com aquilo e deixou o terno de lado, sobre a cama, enquanto continuava a
arrumação. Ainda havia muito trabalho a fazer. Porém, a insistente visão
daquele traje lhe dava a desconfortável impressão de que um estranho estava ali
no quarto.
Para sair da dúvida, resolveu
experimentar o paletó. Teria ficado elegante, não fossem duas polegadas a mais
no comprimento das mangas. Definitivamente, não era seu. Talvez Laura soubesse de
algo.
Mas a simples lembrança da
esposa o deixou ainda mais aflito. Por que ela saberia a respeito da presença
daquele terno em sua casa? E como ela conheceria o seu dono?
Malcolm pendurou o paletó na
cadeira, imaginando o rosto do homem que o vestira. Lembrou-se que três anos
atrás havia saído de casa por uns tempos. “Não, Laura não seria capaz”.
Tentava não pensar naquilo,
certo de que iria esclarecer tudo assim que a mulher chegasse. Porém, desde que
a ideia se instalara em sua mente, nada que fizesse lhe arrancava aquela amarga
sensação.
Se tinha alguma certeza era a de
que aquela vestimenta não lhe pertencia, e que estava há algum tempo em seu
guarda-roupa, sem que se desse conta disso. Poderiam haver várias
possibilidades para aquilo acontecer. Mas a imagem de Laura associada ao dono
do terno era a mais recorrente.
Convicto da traição, Malcolm previu
os cenários vindouros. Confrontar a esposa foi a primeira opção que lhe
visitou, a fim de tomar-lhe a horrenda confissão. Mas e o porvir? Seria duro
envelhecer sem ela ao lado. E por mais que a perdoasse, a vida a dois seria
cheia de pesares, atormentados que seriam pela sombra daquele equívoco.
Outra alternativa seria
manter-se calado. Poderia dar um fim naquele terno, que já estava mesmo esquecido,
e varrer a suspeita para a terra do silêncio, sem incomodar a pecadora. Afinal,
Malcolm reconhecia que, ele próprio, em termos conjugais, não fora sempre
inocente.
E havia ainda a opção de mostrar
o terno a ela, ocultando a desconfiança, apenas para ver qual seria sua reação,
e fingir acreditar nela, seja qual fosse a desculpa por ela inventada. Este lhe
pareceu o caminho mais acertado, porém a voz da consciência o alertou de que
isso ainda era um modo de acusação, que certamente traria à tona um tormento
desnecessário à alma da esposa.
Por que fora encontrar aquele
terno? Tanta angústia teria evitado, simplesmente ignorando a prova daquele
crime.
Finda a dolorosa reflexão, Malcolm
tomou sua decisão baseando-se nas consequências de atitudes errôneas do
passado, e optou por livrar-se daquela prova. Com álcool, na churrasqueira, incendiou
aquela roupa, certificando-se de que havia se transformado em cinzas
por completo.
Voltou ao quarto ainda em
dúvidas sobre a atitude que acabara de tomar, em partes agradecendo por não
mais poder acusar ninguém, o que evitaria uma violência desnecessária – seja física
ou psicológica.
Logo Laura chegaria, e então tudo
o que teria para tratar com ela seria a arrumação que, finalmente, ele estava
pondo em prática, após muitos adiamentos. Ela lá o veria e, lembrando-se do
terno, ficaria assustada, mas o temor evaporaria quando percebesse que a
prova de sua traição não existia mais. Talvez ficasse confusa, mas com o tempo
acabaria esquecendo-se daquele insólito evento, e continuariam lado a lado, até
que a morte os separasse.
E Malcolm voltou ao trabalho,
retirando outras peças do guarda-roupa, satisfeito pelo futuro alternativo que
acabara de construir, quando de repente olhou, aturdido, para o cabide que
tinha pegado há pouco. No mesmo lugar, com a mesma aparência, continuava lá, o
terno maldito, o mesmo que havia acabado de incinerar.
Ele ainda não podia enxergá-los
nem ouvi-los, por simplesmente se recusar a isso, mas ali, naquele mesmo
quarto, Laura e o novo marido conversavam. “É hora de tirar as coisas do
Malcolm daqui. Lá se vão três anos que morreu...”.
Chocante...Adorei
ResponderExcluirMuito bom! Final surpreendente.
ResponderExcluirMuito bom. Surpreendente.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBelo conto, com um final insólito; Malcolm finalmente descansará em paz!!!
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