segunda-feira, junho 01, 2015

O Rato de Biblioteca (L.F.Riesemberg)




-Sinto muito por ter perdido o livro, moça – disse ele, com expressão constrangida. – Como eu falei, fui assaltado e levaram tudo...

-Tudo bem – falou a bibliotecária. – O importante é que você está repondo os exemplares.

Todos estavam satisfeitos: a bibliotecária, que acabava de receber três títulos novos; os sócios da biblioteca, que teriam essas novas opções para ler; e Mark. Aliás, poucos o chamavam assim. Ele era mais conhecido como Rato. Vivia vasculhando as mais diferentes bibliotecas à caça de certos livros “especiais”. Quando encontrava algum, pegava emprestado e nunca mais devolvia, é claro.

Pagava-se muito bem por obras raras. E para não queimar seu filme, sempre que roubava um livro, Mark fazia questão de usar uma pequena parte do lucro para substituí-lo por novos exemplares.

Desta vez havia encontrado um volume quase intocado de “Cão Raivoso”, injustamente escondido na estante de romances internacionais daquela pequena biblioteca de bairro. Ali não passava de um livro abandonado, mas qualquer colecionador daria facilmente mil pratas nele.

Por fim, para compensar a biblioteca, Mark doou três desses manjados lançamentos que estavam nas listas dos mais vendidos, em uma substituição nada justa.

-Era só um livro velho, nunca ninguém o emprestava - disse a bibliotecária, felicíssima com as novas aquisições.

“Que ignorante”, ele pensou, feliz.

Antes de entrar no carro, deu uma olhada no porta-malas. Acomodados em uma caixa de papelão, ali estavam cinco livros, todos raros, que havia conseguido naquele dia. “Estamos indo bem”, pensou, contabilizando mentalmente os lucros.

Não era tão tarde, e ainda havia mais um lugar em que ele queria ir. Estava com o endereço de uma biblioteca pouco conhecida, que ficava no subsolo de um antigo prédio no centro da cidade. Ouvira falar a respeito nos círculos que frequentava, e foi atraído pelo ar teatral que o recinto supostamente possuía. Havia até uma senha para se poder entrar.

Quando chegou ao local, desceu as escadas e foi abordado por um ancião encapuzado.

-A senha! – disse o velho, num sotaque indistinguível.

-“Dente de leão”.

A passagem foi liberada, e Mark se deparou com um ambiente pequeno mas convidativo, decorado com motivos medievais. Havia tochas acesas nas paredes. “Os caras são bons”, pensou. Até mesmo a presença de dois pequenos roedores no piso parecia proposital, para criar um clima de fábulas. Mas o que lhe interessava era saber se os livros dali valiam alguma coisa.

E assim que bateu os olhos na primeira estante, seu coração bateu mais forte. “Olha isso aqui!”. Era uma das primeiras edições do Quixote. “Caramba, isso vale uma fortuna!”.

Sem largar o volume, enxergou o que parecia ser o livro perdido de Murilo Rubião. Aquilo era uma lenda! E estava bem diante dos seus olhos.

-Procura algo, senhor? – O velho parecia um pouco desconfiado.

-Por acaso aqui tem o Necronomicon? – brincou Mark.

O velho não riu da piada. Em vez disso, esticou a mão para a estante ao lado, sem desviar os olhos, e lhe entregou um grosso e pesado volume.

-Oh, não pode ser!

Estava diante de um livro monstruoso. Segundo contavam, a capa era feita de pele humana. Dava até medo de abrir. Certamente valia muito dinheiro, mesmo que não fosse autêntico.

-Eu posso levar estes para casa? – perguntou o rapaz.

-O senhor já tem cadastro?

Mark rapidamente tirou do bolso os seus documentos, com um falso comprovante de domicílio e uma foto três por quatro. O velho riu.

-Nada disso será necessário. Por favor, me acompanhe.

Os dois foram até uma rústica escrivaninha de madeira, onde havia uma pena mergulhada em um tinteiro. O velho entregou um contrato com letras muito pequenas.

-Precisa assinar com sangue.

Um pequeno corte no dedo valia a pena. Para compensar, o rapaz fez outra piada: em vez de assinar seu nome verdadeiro, escreveu o apelido “Rato”, com letras rebuscadas.

Mark saiu contentíssimo, carregando os três títulos a que tinha direito. “Imagina só o que mais deve ter naquelas prateleiras?”, pensava, tentando achar um modo de pegar outros livros.

Em casa, ele olhou com mais atenção a sua cópia do contrato. Era um documento bem divertido, com termos como “devolução em sete dias, ou amputação de um dedo para cada dia de atraso”. Realmente, aqueles caras eram bons. Quase dava pena passar-lhes a perna daquele jeito.

No dia seguinte Mark voltou ao lugar, levando uma caixa de livros novos e a melhor cara de tristeza que conseguiu fingir.

-O que? – perguntou o velho, com ódio. –Você os perdeu?

-Mas eu vou compensar o seu acervo. Olha o que eu trouxe...

Antes que pudesse terminar a frase, o velho fez um gesto com as mãos e tocou a cabeça do rapaz.

-Beurit! – gritou, e Mark viu tudo ao redor ficar maior, mais escuro e mais frio.

Pouco depois, novos passos se ouviam na escada.

Talvez os próximos visitantes não percebessem, mas havia um rato a mais correndo entre aquelas estantes.

5 comentários:

  1. Gabriel Riesembergjunho 07, 2015 11:09 AM

    Excelente conto. Parabéns

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  2. Conto excelente!! O final, então... Parabéns!!

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  3. Cara, muitíssimo bom este conto fantástico. Não sei de onde vc tira tanta imaginação para compor suas estórias. Novamente, super parabéns!!!

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