sábado, junho 20, 2015

O Homem que Conversava Sozinho (L.F.Riesemberg)






Eu assumo: falo sozinho. Não há nada de errado nisso. Muitos falam a sós como se estivessem conversando com alguém (eu, na maioria das vezes, só sussurro). Também sou patologicamente pontual, o que não encaro como um defeito. Tenho ainda tendência a esquecer onde deixei certas coisas, como os chinelos ou o relógio – isso não me atrapalha tanto, para falar a verdade. E sou infiel. Este, sim, é o meu grande defeito. Em todos os meus relacionamentos, nunca perdi uma oportunidade de pular a cerca.
Isso me torna um homem mau? Creio que não. Quando dou minhas escapadas, é só por diversão. Porém, mesmo assim resolvi parar com isso. Já estou casado há um ano, e neste tempo eu me mantive firme com minha esposa. Ou quase. Houve só uma colega de trabalho com quem passei a noite durante uma viagem da empresa, mês passado. Mas quase não deu para aproveitar, porque tínhamos bebido tanto que pela manhã eu não lembrava mais nada.
E, bem, agora estou aqui, prestes a fazer mais uma viagem. O táxi vem me pegar às sete para me levar ao aeroporto. Isto me dá mais dez minutos para me arrumar, enquanto a Luciana continua dormindo no quarto.
Sabe, a tal colega de trabalho vai junto na viagem. Calma, não me julgue ainda. Estou contando isso tudo por uma boa razão. É que decidi me tornar um novo homem. Não quero mais saber de trair. Principalmente depois que vi um amigão pirar quando seu casamento acabou. Não, agora eu vou mudar. Decidi que esta será minha última vez, daí chega! O que foi? É preciso haver uma última vez, como forma de despedida. É um rito de passagem.
Para isso, tomei todas as precauções. Já falei que também sou muito organizado? Nunca deixei vestígios. Sempre penso em cada detalhe e...
Bam! Bam!
Duas fortes pancadas na porta do banheiro interromperam meu raciocínio. “Ei, com quem você está falando aí?”, minha esposa gritou. Ela tinha acordado e me escutou sussurrando no banheiro. Achou estranho, porque ainda não conhecia o meu hábito de falar sozinho. Será que ouviu algo comprometedor?
Rapidamente abri a porta para me explicar (e quando digo que foi rapidamente, quero dizer que foi um segundo depois das batidas). Afinal, eu não estava fazendo nada errado. Por acaso é crime conversar sozinho? Foi esta certeza que me fez abrir tão rápido a porta do banheiro. O problema é que, naquela manhã, eu não tinha achado meu relógio (já falei que tenho facilidade em perder certas coisas?). Pontual como sou, mantive o celular à mão para ficar atento à hora de sair.
−Posso saber com quem você estava falando tão baixinho nesse telefone? – perguntou minha esposa.
Você acha que adiantou dar qualquer explicação? Acha que ela acreditou que eu falava sozinho?
Bem, essa é a história sobre como uma conversa que tive comigo mesmo no banheiro fez minha mulher passar a desconfiar da própria sombra. Não, ela não me deixou ir àquela viagem, e foi a partir desse dia que me tornei um homem fiel.

2 comentários:

  1. Excelente. Um Nelson Rodrigues, eu diria.

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  2. Excelente conto, L.F. Riesemberg.Eu acho que tudo na vida depende de que ângulo são encaradas as coisas, afinal em alguns países do Oriente Médio é algo perfeitamente natural o homem ter duas ou mais mulheres e aqui no Brasil só por haver em alguns casamentos a bigamia o homem já tem que ser tachado de "safado, sem vergonha etc"? Não, não e não!!! Estes termos só pode e devem ser usados em casos de poligamia... Kkkk...

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