Após o susto, Jennifer riu de si mesma. Mas durante a fração de segundo em que havia visto aquela horrenda imagem à sua frente, seu coração quase congelou. Ela estava chegando da faculdade, quase à meia noite, e ao entrar na sala achou ter avistado um rosto demoníaco a espreitando. Uma observação mais atenta lhe revelou que se tratava de apenas um reflexo no armário. Logo estava sentindo-se bem, mas o fato de morar sozinha fez com que lembrasse, principalmente quando deitou para dormir, da terrível face que a recebeu ao abrir a porta.
Aquela foi só a primeira vez de muitas. A
segunda foi em um acampamento com amigos. Ela olhou de relance para a fogueira
e lá estava, entre as chamas, o mesmo rosto diabólico, que logo em seguida se
dissipou, misturando-se às labaredas e impedindo-a de mostrar aos outros.
Aquilo se tornou seu segredo. Vez ou outra
tinha esse rápido encontro com um ser bestial, que a assustava e logo desaparecia.
Em casa, na rua, na praia, no milharal: não havia lugar definido. Quando menos
esperava, ele surgia, ela se assustava, e então ele sumia. Com o passar dos
anos foi habituando-se a esse jogo. Sempre que voltava a encontrá-lo, depois do
espanto ela ficava rindo e brincava: “Me pregou mais uma!”.
Se ela somasse o tempo de todas as vezes em
que ficou cara a cara com a criatura, não daria cinco segundos. Mas era uma imagem
tão forte que já estava gravada em sua mente. Certo dia, munida de caderno e
lápis, Jennifer passou a desenhar. Foi recordando alguns detalhes do rosto,
imaginando outros, e por fim havia feito um retrato daquele estranho personagem
que tanto a perseguia. Assim, no papel, não era tão desagradável olhar para ele.
Tinha o queixo quadrado, olhos grandes e longos chifres. Em seus traços, o ser
havia ficado com um olhar um pouco triste, o que a fez imaginar que era um anjo
caído.
“Não fique assim”, ela pensou. “A vida vai
melhorar e você vai conseguir o que quer”. Acabou adormecendo agarrada à
gravura, sem perceber que os conselhos que dava ao monstro eram, na verdade, para
si própria.
O retrato do anjo caído, como começou a
chamar seu companheiro, ficou guardado. Com os anos passando e evidenciando-se nas
suas linhas faciais, Jennifer às vezes sentia que aquela criatura era seu único
amigo. E toda vez que acontecia de vê-lo novamente, em um daqueles encontros inesperados,
ela perguntava por que ele não ficava mais tempo e não mostrava-se por inteiro.
“Cansei de te ver tão rápido e logo descobrir que era só um vestido pendurado
no cabide, ou uma sombra na parede. Já não tenho mais medo. Apareça!”, disse
certa vez, no auge da solidão.
Ela já tinha percebido que todas as pessoas
que passavam por sua vida acabavam indo embora. Aquele anjo das trevas era o
único que não a abandonava. Parecia que ele a amava, e estava mostrando-se aos
poucos, para que ela não se chocasse com sua aparência. E agora, depois de
tanto tempo, ela já não tinha medo e nem se importava com sua forma exterior. “O
que vale é a alma”, concluiu.
Sozinha numa noite de sábado, dentro do seu frio
apartamento, ela abriu uma garrafa de vinho e cantou uma canção triste,
dançando consigo mesma. “Venha, meu anjo. Estou pronta!”.
Do canto mais escuro da sala, um movimento
surgiu. As sombras mudaram de lugar e então ele revelou-se, totalmente, sem a
intenção de se esconder. Vendo-o à meia luz, ela admirou sua grandeza, sensibilizou-se
com seus traços grotescos, mas acima de tudo o compreendeu. Era um renegado,
vivia na escuridão, sem poder aparecer a ninguém. Ela esticou-lhe as mãos, esperando
que ele as tomasse. Deixou-se ser carregada por aqueles fortes braços, exatamente
como em seus sonhos, e depois ouviu o bater de grandes asas enquanto era levada
para um passeio pelo céu, sob a luz do luar.
Amei esse conto... Tentei ser menos literal na interpretação e acabei entendendo que no final ela se suicidou.
ResponderExcluirAutor, se eu estiver errado, por favor, corrija-me.
Olá estou tão encantado encontrei ѕeu blog, realmente tе encontrei
ResponderExcluirpor erro , enquanto eu estava navegando еm AOL paгa outra coisa,
De ԛualquer forma eᥙ estou aԛui agora e gostaria
dе dizeг admiraçãߋ para սm fantástico post е um para tߋdοs
divertido blog (eu também amo о tema/design), nãօ tenhо tempo pɑra
olhar ѕobre isso tudo ao minutos mаs tenho marcados- е também adicionado
ѕеu RSS feeds , então quando eu tenh᧐ tempo eu estarei volta para ler muіto mаis ,
por favor, continuem а fantástico jo .
Gostei muito desse conto. Entendi que o final foi apenas um devaneio por conta do efeito do vinho. Não foi real mas foi fantástico.
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