A família de Samuel teve que se mudar depois de cinquenta
anos morando na mesma casa. “Vai aparecer muita coisa perdida quando começarmos
a mexer nas coisas”, disse o avô. “Não quero nem pensar na trabalheira que essa
mudança vai dar”, completou a mãe.
Foi dolorosa a cena da empregada colocando os primeiros
enfeites numa caixa de papelão. Significava que era verdade: em breve, teriam
que dar adeus àquele lugar tão cheio de memórias.
Em duas semanas, as caixas empilhavam-se por todos os cômodos.
Estavam cheias somente com os objetos de uso diário. Na terceira semana é que eles
atingiram as áreas mais profundas da casa: baús trancados a cadeado, fundos de
armários e, por último, o temível e empoeirado sótão. Ninguém entrava lá há
anos.
O pai gritou lá de cima: “Se vocês achavam que tínhamos
muita coisa antiga guardada, precisam dar uma olhada aqui”.
Samuel armou-se com uma lanterna e penetrou a escuridão
daquele cômodo da residência que o assombrava quando criança. O facho de luz
revelou um amontoado tão absurdo de caixas e mais caixas entulhadas naquele
ambiente apertado e claustrofóbico, que ele teve vertigens. Depois de vinte minutos
lá em cima, ele gritou para que o ajudassem a sair de lá.
-O que foi que aconteceu lá em cima? – perguntaram,
assustados, quando viram o rapaz branco e tremendo. Ele tinha os cabelos
cobertos de teias de aranha e a roupa imunda de poeira.
Ele não quis comentar com ninguém o que tinha visto.
Apenas pediu para que não o fizessem subir naquele lugar novamente e perguntou:
“Nós realmente temos que deixar a casa?”.
Achando aquilo muito estranho, o pai e o avô continuaram
o trabalho no sótão sem a ajuda de Samuel. Ambos estavam curiosos, imaginando o
que de tão terrível havia ocorrido por lá, para o filho ficar daquele jeito.
Tudo o que encontraram foram brinquedos velhos, livros antigos, discos,
garrafas de bebidas que já não eram mais fabricadas e outras coisas inúteis
cobertas por uma grossa crosta de pó. Tudo foi queimado em uma grande fogueira
no quintal.
A família foi embora e deixou a casa vazia. No dia da
saída, Samuel ainda colocou uma florzinha do jardim em cada janela, como forma
de despedida e agradecimento pelos anos que ali viveu. Depois desse dia, o
garoto falou cada vez menos.
Na outra casa, pequena e sem personalidade, a família
lutava para fazer caber tudo o que haviam trazido. Samuel via o novo ambiente,
tão pior do que o lar onde nasceu, e não conseguiu mais sorrir. Grandes
olheiras foram se formando sob seus olhos, e dentro de alguns dias ele caiu de
cama para nunca mais levantar.
-O que foi que aconteceu, meu filho? Desde daquele dia no
sótão você nunca mais foi o mesmo! – comentaram na noite fatídica.
Com muito esforço, em uma voz quase inaudível, ele
respondeu, antes de expirar:
-Eu vi. Lá em cima. No sótão.
-O que foi que você viu?
-Minha alma. Ela morava lá. Gostava de lá. E não quis se
mudar.
Absolutamente fantástico este maravilhoso conto. Parabéns, L.F. Riesemberg!!!
ResponderExcluirMuito legal
ResponderExcluirConto legal cara
ResponderExcluir🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶🐶 http
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