sexta-feira, fevereiro 01, 2013

A Jornada (L.F. Riesemberg)



Em 1536, em Sevilha, na Espanha, o jovem Ricardo Mendonza foi desafiado para um duelo por Don Antonio Delibes, depois de uma discussão em uma taverna. Num sítio afastado, os dois dispararam um contra o outro, mas só Mendonza sobreviveu. Ele viveu até a velhice, com fama de valente, e nunca perdeu o orgulho por aquele violento episódio de sua vida.
Renasceu na Inglaterra, em 1680, com o nome de Thomas Redcliff, e teve uma vida dedicada ao mar. O gosto pelas aventuras e o fascínio pela guerra o levaram a se juntar à tripulação do lendário Edward Teach, mais conhecido como Barba Negra. Assim saciou sua sede de violência ao participar de mais de vinte ataques a embarcações, alguns dos quais deixaram o mar vermelho com o sangue das vítimas.
Sua encarnação seguinte teve início em 1792, novamente na Espanha. Agora teve como irmão mais velho o próprio homem de quem havia tirado a vida em um duelo, no século XVI. Os dois brigavam muito, desde crianças, mas aquele que havia sido Don Antonio Delibes tornou-se seu maior protetor, e o livrou de muitas enrascadas durante esta vida. Deste modo, Mendonza-Redcliff conseguiu levar uma vida plena e dedicada a sua mulher e filha. Morreu de tuberculose, aos 47 anos de idade.
Em 1888 retornava novamente à Terra, no lar de um comerciante em Londres. Desde criança sentia um peso enorme na consciência, sem saber o motivo, já que “nunca havia feito mal a ninguém”, como dizia a si mesmo. Aos dezesseis anos de idade, por se sentir inadequado ao mundo, tira a própria vida com um tiro no ouvido.
Renasce em 1970, surdo, no Brasil, com o nome de Marcos Souza. Os mesmos sentimentos de culpa da existência passada o assaltavam, agora intensificados. Porém, ao nascer em meio a uma família profundamente religiosa e com alta instrução acadêmica, sempre recebeu ótima orientação terapêutica desde a infância. Nunca saberia, nesta vida, que seus atuais pais e irmãos eram algumas de suas vítimas afogadas do tempo em que atuou como saqueador dos mares, no século XVII, e que o haviam perdoado e acolhido de bom grado para auxiliar em seu equilíbrio.
Decidido a visitar a Espanha - país pelo qual sentia estranha atração - ao completar dezoito anos partiu em um Boeing para realizar seu sonho. Durante o voo sobre o Atlantico, o avião começou a ter alguns solavancos. Antes de cair no mar, no auge do desespero dos passageiros, Marcos teve uma breve visão, onde todos à sua volta estavam vestidos como corsários – eram seus companheiros na tripulação do Barba Negra reunidos naquele avião.
A morte daquelas mais de cem pessoas por afogamento foi seguida pela chegada de uma falange de espíritos luminosos que vieram em missão de socorro. Marcos, deixando seu corpo na água, agarrou a mão estendida de Antonio Delibes.
-Parabéns por mais esta etapa cumprida – disse o companheiro. E seguiram de volta à sua verdadeira morada, cientes de que ainda teriam que voltar outras vezes à Terra.

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