terça-feira, junho 23, 2015

A Madrasta (L.F.Riesemberg)


Isabel varreu toda a casa, preparou o almoço, lavou as panelas e foi ler um livro. Este era o seu ritual de todas as manhãs naquelas férias, e a melhor parte do seu dia.

Logo depois chegava da rua a madrasta, enorme, de cabelos desgrenhados, respiração ofegante. “Por que ainda não pendurou a roupa?”, gritou, assim que botou os pés para dentro.

Por mais que Isabel se esforçasse, sempre haveria alguma coisa que ficava a desejar: “Tem pouco sal na comida!”, “o café está fraco!”, “não é assim que se lava um banheiro!”.

Depois da morte do pai, a convivência com a mulher foi se tornando cada vez mais difícil. E todos os dias a menina se afundava nos livros, procurando fugir da realidade.

Apesar de muito jovem, Isabel compreendia que a madrasta não era má. Era infeliz, talvez por ter ficado viúva, criando uma filha que não era dela.

“Vai ficar o dia todo lendo essas bobagens? Por que não faz alguma coisa útil?”. Isabel, às lágrimas, corria ao porão, onde não podia ouvir aquelas eternas injúrias.

Foi lá embaixo, entre o pó e as teias de aranha, que um clarão iluminou tudo ao seu redor. Encantada, viu surgir em sua frente uma fada madrinha.

-Eu sei que você está apaixonada, mas não pode sair com o rapaz porque não tem roupa. Eu vim te ajudar!

Isabel ouviu todo o plano, mas não se animou.

-Desculpe, fada madrinha. Ir a essa festa com um rapaz não resolveria meus problemas. Mas eu acho que você pode me ajudar de outro jeito.

A jovem, com toda a bondade no coração, transferiu seu presente para a pessoa menos provável que alguém faria.

-Você tem certeza? – perguntou a fada.

-Sim. Ela vai gostar.

-Lembre-se que isso só acontece uma vez na vida. Não voltaremos a nos encontrar.

E, com alguns passes de mágica, a fada vestiu a madrasta de Isabel com um lindo traje brilhante, deixou-a mais bonita que nunca e colocou-a em uma belíssima carruagem, rumo a um palácio encantado.

Isabel ficou feliz pela madrasta, que teria uma noite especial, e foi ler em sua cama.

Horas depois a carruagem voltava. A madrasta entrou e Isabel foi recebê-la, ansiosa por ouvir maravilhas. Achou que encontraria a mais radiante das mulheres, mas deparou-se com a tristeza em forma de pessoa.

-Por quê, menina? Por quê? – soluçava, escondendo o rosto entre as mãos.

-O que aconteceu? Não teve uma noite especial? – perguntou a jovem, assustada.

A madrasta desabou em uma cadeira:

-Oh, sim – disse a mulher, tão sonhadora e frágil como nunca havia aparentado. –No início foi um sonho... mas então, à meia noite, tudo começou a desmanchar. Quando percebi, eu estava feia outra vez, gorda, vestindo os trapos de sempre. A carruagem se transformou em uma carroça velha. Todos começaram a rir de mim. Você fez isso para se vingar, é?

-O que? Não! Eu nunca...

-Pois trate de ir dormir, menina – disse a madrasta, enxugando as lágrimas e reassumindo a armadura de sempre.  –Amanhã tem muito serviço a ser feito!

Isabel, ferida outra vez, voltou correndo para o quarto. Agora sofreria pelas duas.

A fada madrinha foi embora entristecida. “Continue tentando, criança”.

Um comentário:

  1. Tsi tsi tsi... muita influência de George Martin. Escreveu depois que viu o final da última temporada de Game of Thrones? ehehhehehe
    Brincaderia. Muito legal a mudança de paradigma desse conto clássico. Adoro essas coisas. Gosto de pensar que a história não acabou. Afinal, no conto original a garota também fica transtornada até o dia seguinte, quando as coisas se resolvem.
    Continue nos brindando com seus contos!

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