Era
um rancho de dois alqueires, na margem direita do rio, com um velho casebre
perto do barranco. Nas minhas férias, papai sempre me levava lá. Ele gostava de
ficar estirado em uma poltrona, ouvindo os sons da natureza e fumando um cachimbo, enquanto
eu arrumava algo para fazer.
Descontando
o assobio dos canários e dos bem-te-vis que viviam na mata, tudo ao redor era
muito quieto. Quase podíamos ouvir as águas descendo o rio. E então o meu pai, de
pé na ribanceira, gritou para a outra margem: “Eco!”.
Imediatamente
uma voz emergiu do meio das árvores, sobrepondo-se à dele com um mínimo de atraso:
“Eco!”.
Olhei
espantado para a densa floresta do outro lado do rio e perguntei: “Quem mora
lá?”. E ele, sorrindo, passou a mãos nos meus cabelos: “Ah, é um outro homem. E
ele também tem um filho, igual a nós dois”.
“Eia!”,
gritou novamente. E imediatamente aquele homem do outro lado gritou também. Resolvi
experimentar, juntando todo o ar que pude nos meus pulmões: “Cadê vocês?”. E logo
ouvi uma voz idêntica gritar para mim: “Cadê vocês?”.
“Estamos
aqui!”, tornei a berrar.
E o menino do outro lado repetiu: “Estamos aqui!”
Maravilhado,
perguntei a papai: “Posso ir lá brincar com ele?”.
“Oh,
não! Você não o veria”.
Aquilo
me entristeceu.
“Mas
eles estão lá, fazendo as mesmas coisas que fazemos aqui, eu e você”, disse
papai.
“Eles
também pescam? E o menino corre? Será que tem amigos?”. Eu fazia muitas
perguntas ao meu velho paizinho. “Tenho certeza que sim”, disse ele. “Fazem tudo
isso e muito mais”, falou, sorrindo e me abraçando.
Essas
são as lembranças mais vivas que tenho dele. Já faz tanto tempo! Mas no rancho,
nada mudou. O rio continua aqui, imenso e silencioso. E a outra margem permanece
lá, misteriosa, com as mesmas árvores de sempre ocultando o que quer que haja
por trás delas.
Eu
já não sou mais aquele menino. Porém, como
não há mais ninguém aqui para achar estranho, resolvo gritar:
“Eco!”.
E,
ao mesmo tempo, do fundo daquela mata na outra margem, eis que a voz me
responde: “Eco!”. Não mais a voz do menino de outrora, mas, inquestionavelmente,
a voz das minhas lembranças. A voz do meu pai.
Eu
gostaria muito de ir para lá, abraçá-lo como antes, e dizer que o amo, como eu
nunca disse. Aproveito o momento e grito outra vez: “Eu amo você!”.
E
sou logo correspondido: “Eu amo você!”.
Hoje eu sei
que é inútil atravessar o rio e explorar a outra margem. Não haveria nada lá,
pois o que eu mais procuro acabaria se transferindo para a margem oposta, onde agora me
encontro. “Ainda assim, eu queria o seu abraço”, penso sozinho.
E do
outro lado do rio, sem que eu veja, ele me vê. Sentado na poltrona,
sorrindo com um cachimbo no canto boca. “Algum dia, filho. Algum dia...”.
Simplesmente lindo! Amei este conto. Aliás, todo o trabalho realizado no blog é digno de apreço e notabilidade. Parabéns. Inspiro-me em ti para criar os meus próprios relatos.
ResponderExcluirAchei o conto bem emocionante,tendo um ótimo desfecho e um desenvolvimento maravilhoso. E pensar na outra margem do rio é um sentimemto bom, a parte em que ele fala que não adiantaria ir para a outra margem é emocionante te fazendo ver que mesmo depois de descobrir o que é um eco ele ainda tem esperanças que seja seu pai
ResponderExcluirAh, que conto gostoso pra se ler antes de dormir... Leve e carinhoso.
ResponderExcluirGostei bastante!!
Ola. Esse conto foi tirado de um livro?
ResponderExcluirQuando eu era criança eu tinha um livro de contos, e na lista havia um sobre Eco...maw nao sei se é este. Obrigada